Diz-se que outras eu vivem, em mundos paralelos, desenvolvimentos diferentes da minha história.
Outras eu sofrem na pele o que me foi poupado, conhecem alegrias que eu não toco, derramam no papel as palavras para que não tenho tempo, comem o pão que o diabo amassou, amam são amadas corpo alma tudo.
Simultâneas, concomitantes, complementares, alheias, partes de um todo, vivemos em paralelo e à revelia umas das outras, misteriosos pedaços de um só ente plasmado no coração do universo.
Talvez que as outras eu sejam só a fantasia de mim mesma, como eu delas o sou, todas apostadas num esclarecimento que não chega e na libertação.
Se nos encontrássemos todas, cada uma acorrentada ao seu rosário de chagas e imperfeições, cada uma prisioneira do seu choro soberana do seu canto, se essa convergência de mundos ocorresse talvez pudessemos por fim vislumbrar a verdadeira face da Deusa e relembrar quem em verdade somos e ao que vimos, nesta parte do todo por onde hoje navegamos.
Diz-se que ninguém vive sózinho. Coexistimos uns com os outros aqui, com as almas afins e com as outras, mas sobretudo com as alternativas partes de nós mesmos, que noutros mundos vivem o nosso inviável de hoje, exploram os caminhos que se nos fecharam aqui ou registam pela dor os contornos da sombra que escolhemos ignorar.
Coexistimos na saudade do ser inteiro para o qual as personas são só máscaras, efémeros instrumentos de afirmação de um ego em geral doente, preso da absurda ilusão da superioridade.
Relembrar, trazer de volta os acessos, reconstruir as pontes com o invisível, saber, mas saber deveras, que percepcionar a vida apenas pelos cinco sentidos nos arredou há milhares de anos de quem verdadeiramente somos.
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