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segunda-feira, 29 de julho de 2013

TRANSCENDER O TRÂNSITO


Estou de passagem, porém destinada a transcender-me. Estimula-me esta premência de ir mais além de mim, busco a paz que a acção interna requer.
Actividade tenho muita e variada, sou personagem dinâmica e no trânsito pelo planeta faço muitas coisas ao mesmo tempo. Mas falo aqui de outra coisa, de um movimento interior de auto-feitura, como se eu não estivesse acabada em mim mesma e houvesse campos misteriosos por desbravar, vozes por ouvir, a verdadeira vibração da cor por achar.
Chamam a isto ter sonhos, mas ter sonhos pressupõe algo delineado, objectivo. Não sonho com nada. Sonho-me. Sonho-me e esse facto pede uma acção interna, um despertar para o que se não sabe, para o inefável. Como o fugidio cambiante de azulado na luz primeira da manhã que se anuncia, também em mim algo de precioso me escapa quase sempre, facto que pede que eu aja na interioridade para que seja Eu a verdadeira protagonista da minha história e não a personagem em trânsito.
Sinto que isto em mim passa pela palavra, o verbo fundo que ao revelar-se me consolida, ao permitir  a tal “segunda respiração” a que muitas vezes me refiro. Mas esta é uma palavra ainda não falada, a que vibra com a minha própria essência, ela é essa essência e transforma-me quando aflora à minha escrita.

Torna-se difícil escrever sobre o que se não sabe, apenas se pressente. Quando se lida com os fugidios prenúncios do sonho, o auto-sonho e, apesar de tudo, não obstante a consciência das prioridades, há que continuar o trânsito, há que prosseguir na actividade, ser una com todas as partes que me compôem, trabalhar no reequilíbrio possível, aceitar, aceitar, aceitar…
… que a manifestação tem de representar o compromisso entre as origens, o ser socialmente actuante, a consciência em expansão e o sonho de si mesmo. Indecifrável e escapadiço, ele responde contudo à atenção paciente e amorosa, à atitude receptiva de acolhimento do que venha.
Trata-se do que mais próximo conheço da “verdade própria”.



Quadro: Felipe Gutiérrez – A caçadora dos Andes, 1891

sexta-feira, 5 de julho de 2013

CANSAÇO


Nem  a palavra mais pesada poderá significar o que sinto.
De qualquer modo, não a alcanço.  As palavras, todas as palavras parecem ter ficado entaladas no gargalo estreito da minha desesperança.
Lembro-me do poeta morto, reinventado em si mil vezes, a arrastar em palavras mornas o extremo cansaço (Um supremíssimo cansaço,/Íssimo, /íssimo,/ íssimo,/Cansaço…).
Talvez devesse querer qualquer coisa mas o estranho é que eu, a mulher da vontade férrea e das mil invenções, não quero nada. Não anseio por nada e tenho dificuldade em sonhar.
Minto, ainda quero alguma coisa: que me deixem em paz, neste quarto refrigerado onde me alheio da fornalha lá fora. Claro que não me deixam em paz e lá me forço uma, duas, mil vezes ao dia, a cumprir os papéis que de mim são esperados.
Há um vazio, mas é um vazio pesado, aterrador, parece que não há por onde se furar a espessa névoa…
Se ao menos viesses ver-me, falar comigo, podia ser que a vibração da voz ou a tua escrita me arrancassem deste estado que é nada mas que me abafa  os sentimentos.
Mas, porquê te chamo? Para quê se chama alguém se sabemos que isso é só adiamento do que temos de enfrentar dentro de nós, e a solo.

Horror à voracidade de qualquer tipo, ao ruído, ao destrambelhamento, confusões, aos estados febris, ao inglório equívoco de nos etiquetarmos…

Como o Poeta, cansada, infinitamente exausta de tudo, do nada, da impenetrabilidade dessa névoa grossa que se cola a nós, ao ar que respiramos e nos retira o propósito.