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terça-feira, 27 de outubro de 2015

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL


TELEX
Pertenço a uma geração que viveu grande parte da sua vida sem as “bênçãos” da revolução digital.  Sou dos dias em que se comunicava para o outro lado do mundo através do telex, mais tarde  suplantado pelo fax e pela introdução generalizada dos computadores na década de 80.
Ainda me lembro do meu primeiro computador, um Armstrad, cerimoniosamente colocado no centro do escritório, à espera de quem o conseguisse manejar. Ah, e a sua acompanhante, uma ruidosa impressora da mesma marca, que atirava para trás e para a frente  longas tiras metálicas, insistentes e barulhentas, à medida que imprimia o texto.
Computador ARMSTRAD
Esse computador foi objecto de larga disputa e confrontação entre mim e o meu sócio que considerou um desperdício os 200 contos que eu havia investido na maquinaria que só atrapalhava. Não havia argumento meu que o convencesse, para ele a minha visão do futuro era simplesmente uma patetice, uma alucinação mesmo, e preferia confiar como sempre na sua fiel e eficiente máquina de escrever.
Passados mais de trinta anos, esta história faz-me sorrir, mergulhados que estamos todos e cada vez mais num mundo virtual, permanentemente conectados à internet e a sentirmo-nos sem chão se nos falta o telemóvel.
Devo admitir que o facto de ter conhecido um outro mundo e ser uma pessoa da transição me faz sentir mais rica. Experimento mesmo uma certa sensação de abrangência pelo facto de haver tocado mundos diferentes durante esta minha passagem pela Terra. Lembro-me de e pratico coisas importantes  para o meu equilíbrio pessoal, tais como ler, escrever à mão, fazer contas de cabeça e encontrar de improviso soluções ad lib para situações inesperadas. Continuo a questionar o que não me soa e estudo todos os dias ou sempre que posso os assuntos que me interessam. Contudo, eu e outros tantos da mesma fornada já não estaremos cá por muito mais tempo – como é curta ainda a vida humana no planeta! Não estaremos cá e a memória  de quando havia causas, ideais e fé na vida, quando o amor e as manifestações da vida não nos chegavam através de máquinas, vai-se perder.. A autora Sherry Turkle, no seu mais recente livro “Reclaiming Conversation – The Power of Talk in a Digital Age”, chama a atenção para o facto de a geração que agora tem trinta anos ou mais ter vivido a maior parte da sua vida num mundo de conectividade instantânea e constante e que uma outra geração, actualmente próxima da idade adulta, nunca conheceu outra realidade. Esta última é, regra geral, pouco articulada e não se envolve facilmente de forma íntima com o próximo.
A distância real entre os seres humanos parece ter aumentado, absurda e dramaticamente, na era da conectividade, e até mesmo os telemóveis já são pouco usados para o seu propósito original (falar com o outro),  já que os jovens preferem comunicar por SMS.
Este estado de coisas preocupa-me sobremaneira, não porque seja retrógrada ou saudosista, mas porque tenho bem presente a mensagem do filme MATRIX (o primeiro), em que uma sociedade vegetativa vive uma simulação da vida real, sob o comando da inteligência artificial.
Imagem do filme MATRIX
Ora a questão consiste em que a vida está a tornar-se uma perigosa simulação daquilo a que chamamos realidade. A palavra e a prática consequente dos afectos sofreram um declínio vertiginoso e perde-se crescentemente o gosto pelo aprofundamento das questões que mais nos deviam preocupar: quem somos, ao que vimos, como e para onde nos dirigimos interiormente nesta nossa aventura na Terra.

É urgente tomar consciência da nossa inesperada vulnerabilidade às novas tecnologias e que os valores de ordem espiritual e a actividade humana estão sob ameaça ante o avanço do mundo virtual. É urgente reconhecer que as máquinas começaram a controlar as nossas vidas, relacionamentos, a nossa vontade. Tornaram-se aditivas, não podemos viver sem elas, mas impedem-nos a movimentação  livre e espontânea pelas avenidas da vida interior e do nosso contacto, pelo tacto, com os outros.
Nada de errado, porém,  com as máquinas. Nós é que estamos a sucumbir ante a nossa própria criação, ao submeter docilmente a soberania pessoal à inteligência artificial que criámos e que era suposta nos servir. Estamos a estupidificar, a tornarmo-nos desinteressantes, ausentes de nós mesmos, a perder a arte da palavra e da conversação, do toque recíproco, do abraço que nos consola e nos salva.
A tecnologia vai prosseguir o seu avanço, disso não haja qualquer dúvida. Como somos todos responsáveis pelo estado actual das coisas, cabe-nos a todos e a cada um decidir qual o papel que esse avanço deve ter nas nossas vidas para que a humanidade não chegue a um mundo em que todo e qualquer contacto entre seres humanos seja feito através de máquinas.

Impõe-se uma nova revolução!

domingo, 25 de outubro de 2015

ARISTOCRACIA ESPIRITUAL

Tenho sido por vezes criticada por me assumir como crente convicta na aristocracia spiritual. Creio ser esta posição olhada com desconfiança, por se pensar que ela implica noções de hierarquia e superioridade social e material. Nada de mais erróneo.

Como em muitos outros casos, perdeu-se o sentido inicial da palavra “aristocracia”, a qual estava íntimamente ligada ao conceito de qualidade moral e intellectual no ser humano, sem levar em conta  a família de nascimento ou os meios de riqueza. Contudo, quando os  viscosos tentáculos dos interesses privados a tocaram, a palavra perdeu gradualmente a pureza original e confundiu-se com oligarquia, O resto é história.

Defendo a recuperação do conceito de aristocracia aplicado ao espírito e ao intelecto, É tempo de nos confrontarmos com o que nos rodeia pois a decadência acelerada  do meio social, dos valores morais e do exercício intellectual tem vindo a produzir uma humanidade esvaziada e robótica, ausente de si mesma, incapaz de fazer verdadeiras opções conscientes, dissociada por consequência do conceito fundamental de soberania pessoal.

Se estamos todos irmanados na nossa condição de seres aqui em manifestação no planeta Terra, também é verdade que nos encontramos em diferentes estádios de desenvolvimento espiritual e de inteligência e não há como iludir esse facto. Os arautos da Nova Era, entre outros, apregoam a teoria de que somos todos iguais, todos irmãos e conectados. Infelizmente, a conexão revela-se especialmente  na obsessiva ligação ao mundo virtual – as conversas pessoais perderam fôlego, mesmo até ao telefone. O texto (mal escrito e reduzido a escasso vocabulário) impera, mesmo entre pessoas de grande proximidade física.

FELIPPA LOBATO, Visão Ondulante,
tinta-da-china sobre tela, 2015
Quando falo de aristocracia espiritual, refiro-me ao esplendor do espírito, sabiamente interpretado por uma alma bem estruturada e a inconfundível marca que isso deixa na acção humana. Pois é pela grandeza comportamental que detecto essa aristocracia que tenho encontrado um pouco por todas as esferas do humano terrestre, sem distinção de classe social, nascimento, poder material ou nível de cultura e educação. Contudo, verifico que é sob a grande pressão da carência e da adversidade que esse imprint espiritual mais facilmente se revela.

Aos poucos, entre quedas e avanços, vai surgindo a génese de uma nova ordem de valores, que só poderá assentar na governance do lado feminino da humanidade, essa face criativa, maternal, solidária, generosa e temerária que a todos habita mas que encontra mais fácil expressão nas mulheres. Em consequência, a aristocracia espiritual a que me refiro ganhará cada vez maior relevância e poder actuante no âmbito do novo paradigma. Este ultimo promoverá, sem dúvida, o governo e a liderança dos melhores (os mais nobres, do ponto de vista espiritual).

Por agora, o tempo é de decadência. Tudo a ruir, importantes conquistas, erguidas sobre o sangue, suor e dor dos antepassados, em queda livre, ante a indiferença e o desrespeito gerais.
Quero crer que a memória da alma, contudo, há-de transpor os obstáculos do presente e levar mais além o traço nobre e a grandeza dos gestos, vindo a mandatar os melhores. Por via de quem não esquece.









sexta-feira, 16 de outubro de 2015

O CAIR DA FOLHA



Bem que eu gostaria de sentir o outono de outrora, com as suas gradações de temperatura decrescente, cor da folhas em cambiantes mil, o restolho sob os meus passos melancólicos e pensativos e a luz cada dia mais baixa a convidar-me à introspecção. Mas a natureza está como os nossos dias, inconstante, imprevisível, em mudanças abruptas. 

Desci ontem ao roseiral numa tentativa de aproveitar os últimos instantes de luz e cuidar dele. As roseiras estavam como a minha vida pessoal, pouco assistidas nas suas necessidades essenciais para uma floração luxuriante. Trabalhei rapidamente, na habitual luta contra o tempo, uma angustiazinha no coração, tentando tudo abarcar sem o conseguir.

Limpei o que me foi possível, ramos-ladrão cortados com mão determinada, rosas mortas retiradas com ternura e agradecimento pela beleza e perfume que trouxeram ao meu jardim.
Tudo insuficiente, porém, pensei, ao ver a noite cair com os seus sons inconfundíveis e os seus mistérios. Pareceu-me ver alguém junto do lago dos peixes, um movimento inusual por entre os palmitos à tona de água. Talvez...quem saberá onde e como estamos a cada momento, que filtros desconhecidos emparedam a nossa visão maior...

Ao lusco-fusco, com passos cautelosos para não cair nos degraus de xisto e segurando, grata, contra o peito, a generosa braçada de rosas colhidas durante a tarefa, voltei para casa.


Em tempos tortuosos, a vida, com as suas pequenas-grandes compensações, vai-nos ensinando a aceitação do possível.