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sábado, 24 de setembro de 2016

CLARIDADE ROSA



Vestiu-se de rosa, como a luz que às vezes se vislumbra entre os muitos cambiantes da claridade moribunda do ocaso.

Como se quisesse estancar o palpitar do tempo, na roupagem condizente com a paz que alcançara dentro, e reter em si o momento fugidio que passava. 

MONTSERRAT GUDIOL
Estabelecera unidade permanente entre este e aquilo que queria perdurasse, em glória inalterável, transportado no seu ser como marca permanente, cântico de fundo, soberano e belo como o que passa à eternidade.

Vestida de rosa, iluminada de dentro por um clarão cuja fonte permanecia no reino impenetrável dos mistérios, levava em si, por entre o obscurantismo assassino dos dias, o efémero momento, plasmado com amor e determinação no corpo frágil e no coração heroico.

Cruzei-me com ela, sonhei-a talvez, vislumbrei a magia dos seus passos ressonantes nas trémulas gotas de orvalho, na manhã húmida e irreal.

Deixou de estar só.

A palavra de oiro constrói pontes indestrutíveis com a eternidade...

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

TRISTITIA





"E NINGUÉM É EU. E NINGUÉM É VOCÊ. É ESTA A SOLIDÃO."
Clarice Lispector



Nada como os grandes golpes na vida para nos lançar numa assombrosa convulsão interna. Ou bem que somos engolidos pelo vórtice da crise, esmagados pela sua proporção dantesca, ou nos agarramos com a força que nos reste à jangada do questionamento.
Enfrentar com aceitação a natureza solitária deste último processo é indispensável para o equilíbrio pessoal e a esperança de vencer a crise. Pois por mais que o outro nos ame e vice-versa, não há possibilidade de fusão das respectivas interioridades subjectivas – esses vastos mundos inóspitos onde habita uma verdade maior – pois o que ocorre é que, mesmo no mais inflamado dos relacionamentos, tem lugar apenas uma negociação  inconclusiva entre solidões, como escreveu Steiner.
Compreender este facto, sem alimentar ressentimentos para com os nossos afectos, é a pedra basilar da sobrevivência anímica. Só podemos realisticamente contar com a maravilhosa capacidade da vida de nos incentivar com o inesperado ou dulcificar por momentos o aperto interno com o abraço de outrem, que desejaríamos eterno mas é passageiro e efémero. O abraço que se nos apresenta resgatador do tormento pessoal, mas simboliza apenas a passagem de um pirilampo pela noite escura da alma.

Tudo isto nos devolve à nossa condição de seres encarnados, toldados por um olvido ancestral, de passagem por uma existência temporária e não raro hostil e desafiante, à superfície da Terra. Triste. Triste, mas real.

É esta a consciência que impede a alienação, que não nos deixa alimentar as ficções várias a que os contextos do mundo sombrio em que vivemos nos intenta sujeitar no dia a dia e nas nossas histórias pessoais. É um ponto de partida que nos devolve, estranhamente, à natureza e à simplicidade. Aos pequenos e aos grandes gestos do quotidiano, à simbólica de tudo quanto existe e percepcionamos.
À superficialidade dos discursos mercantilistas do chamado Novo Tempo, tem de substituir-se o empenho e esforço pessoal na sobrevivência do que realmente somos e que amplamente desconhecemos, quais peões assustados na infância da consciência.
Salvé a trémula esperança que, pelos melancólicos caminhos da introspecção, vai ganhando corpo...