CARTA A UMA AMIGA QUE PARECE DOENTE
Tinha-me esquecido, minha querida, de como é luminosa a comunicação entre nós. Gostei tanto, mas tanto de te rever e de retomar sem qualquer dificuldade a nossa conversa de há décadas. Já temos cabelos brancos (eu mais do que tu) e, ontem, aquilo pareceu-me uma espécie de reencontro numa nova encarnação, pois sendo as mesmas, estamos ambas tão mais amadurecidas.
Evitavas falar de ti – sempre o fizeste toda a vida – e talvez isso nos forneça a pista principal para o que se passa contigo . Sempre te dividiste e subdividiste para atender às necessidades da tua tribo, de algum modo deixaste que o consenso familiar, tribal insisto, se sobrepusesse à oportunidade de SERES quem és aí dentro, mente ágil percepção aguda, a leveza de uma doçura profunda e pouco assumida nesse austero auto-tratamento que te impões…
Nada de que eu nalgum grau não tenha padecido também (ou padeça ainda), daí ser fácil identificar a história.
Com alguma dificuldade, lá te arranquei a descrição dos sintomas, o incómodo torturante que te acompanha todos os dias e deixaste transparecer, da forma discreta que é a tua, a inquietude face ao desconhecido – os medicos não sabem o que é, têm de continuar a fazer exames, os medicos não prestam, fazem-te perder tempo, há que encontrar novos, etc, etc (onde é que eu já ouvi isto?) – um desconhecido que, pior que a morte, pode representar a incapacitação.
Como te disse, o André Louro de Almeida lembrou, numa conferência recente, que a mais importante receita de cura para os males físicos e emocionais reside na capacidade de DEIXAR DESCER O ESPLENDOR em cada um de nós. A memória desse esplendor, embora encoberta pelos mil véus do olvido, habita no centro do nosso coração dourado e é aí que a devemos buscar.
És uma mulher excepcional e, por conseguinte, podes atrair para ti todas as excepções às regras normóticas.
Envolta no mais caloroso abraço, deixo-te aqui a minha crença em ti e na tua capacidade de tomares as rédeas do teu destino e desafiares o provável.
Pouco a pouco, quase subversivamente...tal como a vida acontece a todos nós, em geral.
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