O mercado anda inundado de citações, conferências e mesmo livros sobre o binómio Ser e Ter. Qualquer representante do “Novo Tempo” que se preze inclui referências a esta questão no seu discurso, em geral alegando a imperativa necessidade de se ser em detrimento do ter. De forma geral, estas pessoas vivem com dificuldades, não “singraram” na vida e, se fossem realmente testadas com um inesperado afluxo de dinheiro às suas vidas, dariam muito provavelmente prova contrária do que apregoam.
Urge contudo uma reflexão séria sobre este assunto o qual, a meu ver, está na base da mudança de paradigmas que o mundo parece pedir com urgência.
Depois da segunda guerra mundial, as populações europeia e americana começaram a seguir uma via de dinâmica de mercados, numa linha de ampliação cada vez maior do ciclo mundial de consumo. No sistema vigente, o “ser” começou a ceder lugar ao “ter”, até que este último passou a ser tudo. Tu és o que tens, as pessoas valem o que valem pelo dinheiro que representam, pelo que podem comprar, ostentar, transaccionar.Assim, será de prever o que já se vem constatando, ou seja, os chamados mercado emergentes com os níveis de consumismo dos seus povos a aumentar a galope e a gerar desse modo os novos heróis do ter. A liderança económica do mundo está a deslocar-se para leste, onde os povos até agora com níveis de vida material muito inferiores aos dos do oeste, começam a poder experimentar as “delícias do consumismo”.
No entretanto, o mundo ocidental experimenta uma situação económica crítica, de fundo recessivo, com os instrumentos habituais a não conseguirem o efeito desejado de recuperação e de compensação das crises que se vão sucedendo e se continuam a anunciar. Roubini, o célebre professor da Universidade de Nova Iorque que previu a crise financeira dos Estados Unidos, acaba de anunciar a forte possibilidade de uma nova crise global para 2013
"Já existem elementos de fragilidade. Todos os países estão a adiar a questão da elevada dívida pública e privada, e todos estes problemas poderão emergir o mais tardar em 2013", o que se ficaria a dever ao estalar de “problemas orçamentais nos Estados Unidos, abrandamento do crescimento da economia chinesa, reestruturação da dívida europeia e estagnação económica no Japão”.
Num mundo cujo crescimento global se verá muito possívelmente travado, o ser humano vai ter de reformular os seus padrões de vida e aceitar um nível de consumismo muito inferior àquele a que se habituou nos últimos cinquenta anos.
Como sempre, a questão tem a ver com a consciência e a lição ficará mais ou menos aprendida na medida em que a primeira a consiga verdadeiramente integrar. A lição é exactamente a do “ser e do ter”.
No dia em que a consciência atinja que ninguém possui seja o que for e que o máximo que a esse nível nos acontece é sermos administradores temporários do que pelas nossas mãos passa (o que nos confere enormes responsabilidades em relação a nós mesmos e aos outros), que a matéria resultante da nossa criatividade no sentido construtivo é uma expressão do Ser e não o contrário, então poderemos talvez chegar à abundância natural para todos sem as cancerosas presenças da ganância e da competição.
Nesse Dia Novo, acredito que o Ser encontrará a sua plenitude de forma natural sendo capaz de gerar tudo aquilo de que necessita, sem recurso a estratagemas maquiavélicos para subtrair seja o que for ao outro, sem o querer explorar, enganar ou sobre ele exercer qualquer forma de domínio.
Infelizmente, penso que estamos ainda muito longe disso. Os modelos sociais que se pretendem continuar a seguir estão estafados e as vulnerabilidades da pessoa individual e dos países ocidentais fortemente acentuadas. O trabalho de consciência não foi feito, pelo que a força continua ilusoriamente a residir no “ter”, digam o que disserem os tais arautos do Novo Tempo.
Contudo, acredito que só se tem o que se é e essa é uma riqueza não transferível mas que irradia incessantemente e de forma inesgotável as produções que lhe são próprias.
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