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quarta-feira, 29 de junho de 2011

NO CORPO DO SOPRO

Com quem se relaciona o outro, em mim? Com a minha aparência física, com as palavras que digo?
Com as construções que vou deixando pelo caminho, com a minha conta bancária?
Com o que sou ou com o que pareço ser? Com o meu passado, com o meu futuro?
Em que precários e transitórios pilares assenta a dança entre os seres, que fantasiosas invenções assistem os grandes envolvimentos, uniões, amores, acordos, amizades e o seus opostos, toda a trama a que chamamos vida?
Em que é que devo acreditar? No abraço ou na rejeição, os papéis confundem-se, há com frequência trágicas nuances de ilusão naquilo em que acreditamos, prosseguimos, no empenho que colocamos no que nos parece acima, para além de, mais importante que tudo.
Chega depois a interrogação fulcral, num crescendo, por vezes ardente ferro em brasa, latejante e febril lá nos fundos da gente. Quem sou eu? O que sou eu? Para quê, eu? Por quê, eu? Eu não sou o medo e eu não sou a cólera, não sou nem a filha de, nem a mãe de, não sou a esposa, nem a chefe, não o ser que entra e sai de cena, não a ganhadora, não aquela que perde...
O nível da minha verdadeira existência alinha-se com o corpo de um sopro, uma ampla liberdade inexpressável, doçura antiquíssima, infinita como um golpe de asa branca. Algo que vive no alinhamento cósmico, alguma coisa eterna, inquebrável, um canto sem voz mas gloriosamente escutado no dentro de todas as coisas vivas.
Quanto mais me posso aproximar, no verbo, daquilo que sinto que sou? E se o sou, a que nível é que esse ser acontece, como e quando se expressa, quem ou o que é que despoleta a sua manifestação?
Ponho e tiro máscaras. As máscaras funcionam para o consenso, não desafiam em demasiado a norma. Escudos, barreiras, diques protectores daquilo que eu não sei dizer, aquilo que respira e pulsa como um coração de cristal, insustentável na aparência porém sobreposto ao espaço e ao tempo, eu sinto. As máscaras cobrem, abafam o coração cristalino, aquele que se não pode e se não sabe expôr.
Eu queria, eu queria ser só o que sou para não mais aparentar ser o que não sou. Mas  os sóis e as luas do infinito cosmos continuam a cruzar-se nas suas danças elípticas, avançam hipóteses, contrariam planos. Tudo com certeza pleno de significado e de intento. Eu, contudo, sou apenas uma consciência em expansão, pequena glosa de um todo que não abarco, inábil transportadora de indelével memória, força, registo.
Desço agora ao roseiral para ver se me sinto, se me agarro, antes que a noite baixe e já não possa mirar as rosas...

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