Sinto-me tenra hoje, como o dia. Tenra e vacilante, sem palavras ousadas, nem grandes causas…
Estive com Florbela, apetecem-me poemas antigos, tudo a cor pastel como nos
sonhos, penso em tanta coisa mas estou sem ânimo…
Trouxeram-me umas rosas salmão, laivos de qualquer coisa recordada, o ar está fresco ainda bem, não tenho que falar com ninguém depois das oito…
Por onde andarei que não me encontro, não sinto nada apenas a vaga melancolia do dia, da vida que se apaga, o silêncio cada vez maior, os espaços em branco que aguardaram sempre a chegada da palavra por inventor…
Preciso de
um ombro e não preciso, os ombros têm preço, noto que o amor entre os seres é
pó a esfarelar-se por entre os dedos sempre abertos de quem busca dividendos…
Quem partilha
este gosto pelo cheiro do ar e nota o oiro à solta nas coisas secretas pouco
vistas, nos cenários apenas esboçados, oníricos e sem definição concreta?
Ainda me
busco, não sei quem sou. Às vezes sei, quando o canto das cigarras atravessa o
perfume da noite enluarada e a relva cheira ao útero da Terra, agridoce e
cálida, prenha de juras de fertilidade e de oferenda… Nessas alturas, levanto-me
de um salto, arrimo-me ao postigo e sorvo tudo atordoada, porque quase lá chego,
eu quase entendo…
Gosto deste
dia, apesar de tudo. A cor esbatida de todas as coisas, as ausências e
omissões, tudo pastel, sem contornos claros, tudo indefinido como a vida e o
destino…
Apoio-me nos
poetas mortos, prevejo os que hão-de vir montados num tempo novo, sem
pergaminhos, sem poetas laureados. Apoio-me numa elegância vaga que irradia de
um fundo qualquer em mim e me é preciosa. Porquê, não sei. Parece uma écharpe
de musselina verde-musgo claro, desfraldada na brisa de um impulso inconfessado,
as palavras que nunca escreverei…
Diminuiu a
luz, reacendeu-se o ânimo. Ponho velas interiores a uma santa que acabei de
fabricar, peço-lhe a benção. Talvez seja a minha madre, talvez ela, quem mais me
poderia bendizer assim, a mim que não sei quem sou, a mim que me escondo atrás
de poemas e de flores e trabalho, e trabalho, e trabalho…
No rio do
meu sentir correm agora ecos de algo suspenso em mim, porventura adiado, irrealizável
talvez…
Saudade de
uma coisa fugidia…
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Quadro: Monserrat Gudiol
Lindo Mariana, me tocou profundamente, talvez este teu pensar de hoje seja um sentir que todas nós mulheres nesta faixa etária compartilhamos. Bjo
ResponderEliminarGrata, Anna, pelo comentário. Será a faixa etária? Talvez em parte, pois os anos aportam-nos uma maturidade maior mas o impulso subjacente a este texto esteve sempre presente em mim desde que me conheço. Como muita outra gente, sempre me busquei, me interroguei, sempre expressei a minha alma através de prosa poética, mas o que varia agora é a finitude da vida na Terra, da qual tenho hoje uma consciência aguda. Isto aconteceu a partir da morte da minha Mãe amada, em 2012 (a Mãe é eterna, invencível no nosso inconsciente e a minha deixou de o ser). Nem os anos, o enevelhecimento, os cinco netos, nada me trouxe a consciência que a morte da Anita expandiu em mim.
ResponderEliminarUm beijo para si, querida Anna.