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terça-feira, 1 de novembro de 2011

ALMA ANTIGA

Alma antiga, pedes-me que te escute recostada assim no momento da árvore alta que da minha cama vejo há décadas perder as folhas, nesta altura do ano, para logo as renovar quando a luz voltar a subir...
Passa o tempo e passo eu ou o que em mim se vê e dizes-me que não passe por mim sem que por mim eu passe, enquanto as folhas vão e vêm e a luz oculta busca em vão brechas para a liberdade.

Basta às vezes o sopro inesperado da palavra encorajadora. Há dias um amigo desejou-me que a par das belas rosas do meu jardim eu continuasse a produzir rosas metafísicas e aquilo foi de repente a luz inesperada a incendiar a esperança numa aurora húmida, abençoada, um recomeço harmonioso, postigo entreaberto para a vastidão do que transporto, sem nada poder. Sem acesso continuado, livre, em delírio, num parto íntimo e alargado ao tempo que me resta.

  Viver na simplicidade, soltar-me do obrigatório, ficar aqui eternamente na tecelagem da palavra de ouro, sonhar-me por inteiro, livre de este ser de superfície tão sacrificado, mandala lacrimejante nos dias baços do faz de conta.
Eu sou talvez apenas o que perdura dos instantes fugitivos da minha vida, essa é a memória activa e só aí posso colher as flores duradouras da criação. Percorrer esse caminho, mirar-lhe a face persistente... ser tudo e nada ser, no encalce do que me escapa e vai e vem pelas estrias da vida, saturado de luz e de sombras, a um tempo asfixiante e fugidio como as estrelas cadentes.

Dar à luz vezes sem conta, no incontornável vale dos soluços e da incerteza, dar à luz uma vez e outra, em pulsões intensas e reveladoras, a feliz agonia  do que se solta, doce crisálida em expansão, metamorfose.  

Possa eu nascer, por fim.

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