Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 10 de março de 2016

O FENÓMENO MARCELO

Não consegui resistir à tentação de escrever sobre o novo Presidente da República. Ainda agora foi empossado e já fez correr muita tinta. Vou, assim, repetir muitas coisas já ditas anteriormente.

Marcelo é brilhante, inteligente, simpático, bem parecido, de uma informalidade elegante e que nos cativa. Marcelo é trabalhador, estudioso,  pragmático, culto e bem falante, responsável, delicado, atencioso, cheio de afecto. A Marcelo não são conhecidos desvios nem falhas de conduta no que se refere às finanças, nunca esteve envolvido nos escândalos que hoje são, infelizmente, a ordem do dia. O mais importante será, porém, o facto de Marcelo quebrar com o que tem sido até agora a norma comportamental dos Presidentes da República Portuguesa.

Marcelo é, em suma, excepcional e a sua ascensão ao importantíssimo cargo que passou a ocupar apresenta-se até inesperada num país como o nosso, ainda tão emperrado por afectações e preconceitos.

Após este primeiro dia, o da investidura, o país está rendido ao personagem e, perigosamente, espera-se dele o impossível: que salve a Pátria, a cultura, as tradições tão castigadas pela globalização; que sare as feridas todas, que una as pessoas, os partidos e que passemos a ser uma democracia exemplar. Que nos salve do odioso AO90, reabrindo o debate, que ponha o país a trabalhar a sério e com gosto, mas também a cantar, ao dar prioridade ao político sobre o económico. Que realize, nem que seja só no nosso belo rectângulo à beira-mar plantado, o seu sonho ecuménico de juntar todas as religiões – e começou no tom certo com o encontro inter-religioso na Mesquita de Lisboa, ocasião em que representantes de dezassete religiões rezaram em conjunto, algo inédito e sem precedentes.



Marcelo é o “homem certo no lugar certo no momento certo”.
Pois, isso já eu sabia, razão porque votei nele. Mas ser a pessoa desejável para o mais alto cargo da Nação num dos momentos mais incertos da sua história, não faz dele um deus. Por mais diferenciado que Marcelo se nos apresente e maior seja a sua capacidade para, entre outras coisas, ajudar a restaurar a autoestima dos portugueses, tão abalada pela evolução histórica nas últimas décadas, ele continua a ser apenas uma pessoa muito empenhada na missão que se propôs e ao serviço da qual vai utilizar toda a sua capacidade e experiência política, mas com as problemáticas inerentes à sua condição de ser humano.
Prevejo que, a falhar em algo, falhará pouco e raramente. Mas como sempre desconfiei da adoração humana, adianto que esperar tanto  dele é embarcar  na habitual projecção mítica que só pode conduzir à desilusão. A vida é muito complexa, na nossa percepção abarcamos apenas a dimensão tangível e convém manter a postura humilde de que há mais coisas entre o Céu e a Terra do que aquilo que os nossos olhos vêm.

O mundo está em aceleradíssima mudança e, como disse o Poeta na hora derradeira, I know not what tomorrow will bring.

Marcelo chegou e que os céus abençoem a sua caminhada, nos próximos dez anos, pois não tenho dúvida que será reeleito. Marcelo é solar e plurifacetado, abrangente e sedutor e poderá reacender a luz da esperança na recuperação da nossa identidade. Mas deixemos espaço à sua humanidade e não o sobrecarreguemos com o egregor das nossas expectativas, naturalmente inflacionadas pelo desencanto em que temos vivido.

Por último, Marcelo diz (e diz bem) que  a nossa é uma república e não uma monarquia e que, por tal motivo, vai separar completamente a sua vida pessoal da profissional.

Confesso que me surpreendeu nele esta separação ultra-rígida. Se eu fosse filha, irmã, neta  ou companheira de Marcelo, teria querido estar e ser vista ao lado dele naqueles gloriosos momentos da sua vida. Mais importante, se eu fosse Marcelo, teria querido os meus entes queridos a meu lado, para que o mundo os visse comigo, nessa ocasião e pudesse sentir o seu caloroso abraço na minha aura. Chocou-me ver os filhos e a nora atrás da barreira, em frente do palácio de Belém, a tentar captar em filme o pai, que passava a guarda em revista. Há coisas na vida, a meu ver, em que se não deve ir longe demais…


Marcelo tem perfil de rei, muito mais do que o têm  a maioria dos monarcas que ainda sobrevivem no mundo. Por mais que o não queira, o povo irá sempre colher nele e na sua vida referências  comportamentais.  E por muito activo que seja, por poucas horas que durma,  ao novo Presidente não vai restar muito tempo para partilhar a vida com os seus. Será, aos olhos do povo, um presidente afectuoso e gostável, mas só.
Se é essa a sua escolha consciente, tudo bem. Mas lembre-se, Senhor Presidente, que a água não corre duas vezes igual debaixo da ponte, que as crianças crescem, os afectos precisam de ser regados e que é na partilha com os amados que a vida exsuda o seu perfume maior. Não vem nenhum mal ao mundo que este o possa testemunhar.

Bem haja!








Sem comentários:

Enviar um comentário