O cartaz
com a saudação algo irónica que os milhares de gregos reunidos no centro de
Atenas, para celebrar a vitória do Syriza nas eleições do passado domigo,
ostentavam com entusiasmo, trouxe-me um sorriso à face e uma espécie de consolo
ao coração.
Tenho
alma subversiva, assim que o desafio ao estabelecido – em especial quando
acarreta tão grande sofrimento para os seres humanos – encontra sempre eco em
mim.
Isto não
me põe de forma alguma no estado febril de acreditar que tudo mudou, que a
Grécia e os países da periferia europeia, incluindo a Lusitânia Pátria, estão
enfim salvos da tirania Merkel e que tudo se vai resolver de forma inesperada e
milagrosa.
Foi sem
dúvida um feito histórico, uma grande vitória democrática, que um país
endividado até aos ossos e sujeito às pressões de programas de austeridade,
cada vez mais questionáveis na sua eficácia, e às ameaças intimidatórias vindas
lá do norte, tenha ousado levantar-se em peso e dizer: Basta! Queremos outro
caminho, queremos uma alternativa!
Emocionei-me ao ver os rostos radiosos e intensos dos gregos na televisão,
animados de esperança e determinação, com uma bela música de fundo. Alexis
Tsipras, o jovem primeiro ministro grego, poderá ser uma figura marcante na
mudança paradigmática, se os gregos souberam jogar bem a sua cartada.
Há contudo que atentar em aspectos bem reais e tangíveis desta situação e gerir as
expectativas. Creio que, apesar de todas as promessas eleitorais feitas e de
todas as ameaças merkelianas e outras,
é pouco provável que se entre em situações de ruptura aberta ou que decisões de
irreversibilidade, como não pagar a dívida ou sair do euro, venham a ocorrer.
O
paradigma central, europeu e mundial, está cada dia mais periclitante na sua
estrutura, mas não se deve minimizar a acção eficaz dos seus defensores e
promotores. Até porque ainda não sabemos o que substituirá esta ordem de
valores e, consequentemente, há que ser cuidadoso e preventivo nos caminhos de
uma solução. Não se sabendo para onde se vai, há que evitar no entanto mais
sofrimento para os povos. Oxalá que todos os players em causa tenham isto como uma máxima!
Já existem, aliás, sinais de moderação no discurso do novo ministro das finanças, Yanis
Varifakis, um reputado economista. Parece que a sua grande frente de batalha
será a renegociação da dívida externa e que ficar no euro lhe agrada. Não há
que esquecer as reformas estruturais necessárias à competitividade da economia e
que potenciarão os mecanismos de mercado. A Europa também já veio dizer que respeita a decisão do povo grego e quer cooperar na solução. Veremos em que termos...
Tudo
isto, claro, enquanto tiver de ser, pois nada é certo em relação ao que aí vem.
O que é óbvio é que o teste ocorre agora nas duas vertentes: a externa (comando
europeu) e interna (gestão das políticas económica, social e cultural no país helénico).
Seja
como for, já valeu!
A
história (bem contada) olhará no futuro talvez com carinho esse cartaz manuscrito, a um
tempo correcto e sarcástico, erguido bem alto a partir da dignidade de um povo
ancestral, que se deseja recuperada.
Um cartaz que, na noite do domingo passado,
emitia do coração de Atenas e do dos gregos em geral, a saudação que me tocou e
a muita gente que, como eu, sonha a preservação da soberania do povo a que
pertence.
Boa
noite, Senhora Merkel!
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