Mas a sombra se o sol está longe, excede a figura.
A sombra quando o sol está no zênite é muito pequenina
e toda se vos mete
debaixo dos pés.
Mas quando o sol está no Oriente ou no
ocaso, essa sombra se estende tão imensamente, que
mal cabe dentro do horizonte.
(Padre Antônio Vieira -Sermões Pregados no Brasil)
Conheci-o desde sempre, pois não me lembro de mim antes do
seu nascimento. Enquanto crescia, foi-se revelando a tendência para a
complicação e para o detalhe, a alma feminina sempre a buscar consolo e
referências junto da mãe. Também a natureza exploratória, aventureira e uma
forma de rir alto, com gargalhadas sonoras e frescas quando algo o tocava pela
positiva. Guardava no âmago um coração doce
e ternurento que cedo foi cobrindo com capas protectoras reforçadas.
Bonito e inteligente, vulnerável contudo aos grandes embates emocionais, cedo as dores abriram brechas em níveis mais subtis do ser e por elas se esgueiraram forças alheias que tomou como suas. Começou a sentir coisas estranhas, para além do que a consciência poderia explicar, e tomou-as como naturais.
Bonito e inteligente, vulnerável contudo aos grandes embates emocionais, cedo as dores abriram brechas em níveis mais subtis do ser e por elas se esgueiraram forças alheias que tomou como suas. Começou a sentir coisas estranhas, para além do que a consciência poderia explicar, e tomou-as como naturais.
Tornou-se assim, com o passar dos anos, um homem ensombrado,
pois entre si e o sol da vida se posicionaram , com frequência crescente,
corpos opacos que o privavam da luz.
O tenro coração, ocultado sob densas capas, bem o tentava
impulsionar, mas a luta era desigual pois uma certa arrogância de carácter,
resquício negativo do que fora a sua força na juventude, fortalecia as sombras
invasivas que o habitavam e lhe manipulavam a mente.
Fomos tão próximos, um dia, sangue do mesmo sangue, sonhos bordados
num tempo de aventura e idealismo, afecto transbordante nos corações dourados de
inocência e dádiva.
Passou tudo, resta só a ausência, a aparente indiferença.
Ambos receamos as palavras, eu por não saber por quê, ele por achar que sabe
bem demais. Ou será o contrário de algum modo, quem sabe.
Sinto que nos perdemos um do outro, que já nada pode salvar
o nosso laço, pois a força solar do amor não consegue encontrar expressão no
pouco tempo que nos resta na Terra.
Não importa a explicação. Só o que não teve lugar.
Doiem fundo as lágrimas que não deixo que ninguém veja,
afasto-me esvaziada pelo que não pode ser…
Às vezes é preciso reconhecer que a desistência é o único
caminho, pelo menos por agora, nesta já longa manifestação na Terra.
De uma coisa estou certa: um de nós irá ao funeral do outro.
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