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sábado, 6 de outubro de 2012


SAUDADE

A saudade é um ente feminino.

Vestida de impossíveis e de faltas,  aninhada no coração do desejo profundo  desloca-se no sentido inverso à linha e desafia Cronos com a exuberância de uma mulher sábia, intimamente ligada à sua proto-natureza. Inefável e experienciada com solenidade pela alma, permanence solitaria e viva no verbo pela mão de um único idioma, o lusitano.
De onde veio e por quê só Portugal lhe dá voz? Cruzam-se nela memórias do povo navegador  que lhe deu nome quando, de terras longínquas, juntou numa só palavra saudação, falta, amor e bons votos de saúde. Mas Saudade é mais do que isso, ela espraia-se como aguarela derretida e entranhada nas células do corpo lusitano,  Saudade é partida e é chegada, morte e parto iminente que teima em não acontecer de um elo perdido, experiência indelével que sem se mostrar não nos larga.

Contudo, de um modo ou de outro, mais ou menos distanciados, toca-nos a todos. Não só os oriundos desta patria antiga, mas todos os povos do mundo sentem em qualquer grau esse impulso de recuperação de algo que lhes foge e a que anseiam regressar.
De olhos ao alto e na interioridade, buscamos aquilo para que a Saudade nos remete mas cujo rosto desconhecemos.

Saudade é melancolia, talvez sonho do regresso nostálgico de um passado que não sabemos descrever, um dia completo  e absoluto cuja não-memória mas profunda marca nos causa uma dor quase prazenteira.  Canto, choro, lamento das profundezas,  mulher das brumas a um tempo inacessível e presente, mítica deusa portadora de um futuro antigo, a Saudade respira como uma segunda natureza e esconde-se na latência do ser, mágica e recordatória do que sabemos sem o saber. Propaga vazios, ausência, sofridos desejos de retorno, faz experimentações pela voz do Poeta, plasma-se nas telas dos pintores, irrompe em dor criativa da pedra esculpida, canta sentida na “Voz de Portugal de seu nome Amália”, como disse Fernando Dacosta.
Saudade é não saber da Mãe que nos deu vida mas senti-la vibrar em cada momento, magna e transcendente , no infinitamente pequeno do corpo do que somos.

Branca, ausente e ubíqua, sarça ardente, promessa de dias rarefeitos,  resquício velado da Glória, sustentas-me Saudade no meu regresso a Casa.

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