SAUDADE
A saudade é um ente
feminino.
Vestida de impossíveis
e de faltas, aninhada no coração do
desejo profundo desloca-se no sentido
inverso à linha e desafia Cronos com a exuberância de uma mulher sábia, intimamente
ligada à sua proto-natureza. Inefável e experienciada com solenidade pela alma,
permanence solitaria e viva no verbo pela mão de um único idioma, o lusitano.
De onde veio e por quê
só Portugal lhe dá voz? Cruzam-se nela memórias do povo navegador que lhe deu nome quando, de terras longínquas,
juntou numa só palavra saudação, falta, amor e bons votos de saúde. Mas Saudade
é mais do que isso, ela espraia-se como aguarela derretida e entranhada nas
células do corpo lusitano, Saudade é
partida e é chegada, morte e parto iminente que teima em não acontecer de um
elo perdido, experiência indelével que sem se mostrar não nos larga.
De olhos ao alto e na
interioridade, buscamos aquilo para que a Saudade nos remete mas cujo rosto
desconhecemos.
Saudade é melancolia,
talvez sonho do regresso nostálgico de um passado que não sabemos descrever, um
dia completo e absoluto cuja não-memória
mas profunda marca nos causa uma dor quase prazenteira. Canto, choro, lamento das profundezas, mulher das brumas a um tempo inacessível e
presente, mítica deusa portadora de um futuro antigo, a Saudade respira como
uma segunda natureza e esconde-se na latência do ser, mágica e recordatória do
que sabemos sem o saber. Propaga vazios, ausência, sofridos desejos de retorno,
faz experimentações pela voz do Poeta, plasma-se nas telas dos pintores,
irrompe em dor criativa da pedra esculpida, canta sentida na “Voz de Portugal
de seu nome Amália”, como disse Fernando Dacosta.
Saudade é não saber da
Mãe que nos deu vida mas senti-la vibrar em cada momento, magna e transcendente
, no infinitamente pequeno do corpo do que somos.
Branca, ausente e
ubíqua, sarça ardente, promessa de dias rarefeitos, resquício velado da Glória, sustentas-me
Saudade no meu regresso a Casa.
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