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domingo, 14 de outubro de 2012




REGRESSO AO CENTRO

Torna-te naquilo que és.
PINDARO

Oiço as vozes, as que atacam e as que se defendem, as que clamam que tudo é Bem e positivo e luminoso e as que apontam dedos acusatórios entre si, as que pedem justiça para as suas causas e ideais que a sociedade atira indiferentemente para segundo plano, para o esquecimento mesmo…
Vejo, como sombras vagas, outras mulheres debatendo-se, no seio do sofrimento, pela legitimidade da sua voz que há-de ser a certa, a melhor, a mais credível…
Sinto as marcas de milénios de dor e descentramento desse poder intrínseco e mágico que o patriarcado abafou, castigou, reprimiu, usurpou e a subreptícia e encoberta caminhada da fêmea, sobrevivente a qualquer custo, alheada, confundida, jogada hábilmente contra a outra fêmea, vítima de si mesma antes de qualquer outra coisa.
Como é que isto se passou, mulheres da Terra? Como é possível que continuemos a degladiarnos, a trocar palavras frouxas de conteúdo e sentido duvidoso, iradas umas contra as outras, ressentidas, dominadas por um falso sentido de superioridade, desleais em relação  ao que mais importa, o regresso a si mesmas?
Sou uma mulher como todas vós. Em mim uiva a loba, Lillith reclama soberania, a Mãe divina abre os meus braços amorosos para todas as crianças do mundo e o corpo sensível e maduro acusa estremecente o registo do passo do tempo. Tentei mimetizar Eva sem grande sucesso e gosto de me sentir bruxa (sem nada entender de bruxarias). Espero ter aprendido com as minhas quedas e dores que o importante é respeitar o espírito de quem, debaixo dos nossos olhos, desafia a nossa paciência com a traição de si mesma…

Busco quase em desespero tornar-me naquilo que verdadeiramente sou, a única coisa que importa afinal. Talvez tenha de morrer para o que tenho sido, desfazer-me de todos os simulacros, de todas as manipulações até que a rosa da essência se revele, como um amanhecer glorioso.
Por ora, a caminhada ainda é incerta. Quero tanto amar-vos, Mulheres da Terra, como a este centro tenro dentro de mim, manter-vos em mim num abraço eterno de solidariedade, justiça e bem querer, queria tanto que abandonassem os caminhos turvos e duvidosos de um passado obscuro para o nosso género e para a humanidade em geral, não mais permeáveis à intriga fácil, ao julgamento gratuito e à deslealdade. Nada disso é característico do ser feminino completo, de consciência expandida, o coração compadecido e generoso ante o sofrimento alheio.

Tenho dito, irmãs.

Quadro: "As Xamãs", Lena Gal

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