pergunto se foi por mim
ou pelo calor inesperado
dos meus gestos
que a mim vieste
TESSA ESTATE
(poema Estátua Pensante excerto)
(poema Estátua Pensante excerto)
Ninguém ama ninguém, disse. Uma névoa
fina, misto de sabedoria e cepticismo, toldava-lhe os olhos fundos embutidos numa
perspicácia natural e na experiência de uma vida já longa.
Ninguém ama ninguém,
são tudo trocas. Mas pode haver um espaço sagrado para um certo tipo de troca…
Fiquei
a olhar para dentro de nada, ou seja, a certeza da não-convicção. O choque
causado pelo oposto daquilo em que nos habituámos a acreditar origina uma
espécie de paralização interior, um limbo de interrogações e de impasses, um corpo
oco a rolar perdido pela encosta abaixo da desconstrução.
A
verdade é que muitas vezes suspeitei. Amiúde me questionei secretamente sobre
possíveis motivos ulteriores de amizades, amores, atenções várias. A análise
levou-me invariavelmente a duvidar da qualidade da minha auto-estima,
seguramente na base de tanta dúvida. Com os anos, apaziguei, ao transferir a
minha atenção mais para os meus actos e as minhas motivações, sem deixar de ver
as dos outros. Isto, no final das contas, deve dar tudo certo, penso sempre. É
um modo de arrumar a questão ou…de a adiar.
Agarramo-nos
à ideia do amor do outro pelos nossos belos olhos, alma e méritos e hoje penso
que esse é um ponto de partida errado, algo narcísico.
Tudo
se prende afinal com crenças. Tudo está
ligado a esta sociedade moderna antiseptica e infantilizada, em que as coisas,
inclusive os sentimentos, estão previstas e formatadas para ti a priori, sem te deixar espaço para a
libertação das forças criativas que te habitam nas profundezas.
Ninguém ama ninguém. Para aí nos dirigem
e nos dirigimos, pois as estruturas de funcionamento à superfície assentam
essencialmente na troca de cariz commercial, no deve e no haver. Essa situação
carece de denúncia, como a minha amiga faz, mas não de total validação.
É
que a humanidade terrestre caiu num esquecimento retrógrado e involutivo de que
é o amor a grande força capaz de contrabalançar as patologias do ego como a
posse, a titularidade, a arrogância, o inflacionamento do passageiro. O ser
humano faz hoje tudo ou quase tudo em função daquilo que o parece beneficiar no
imediato, inconsciente da importância vital de olhar nos olhos o diferente, o
não estabelecido, o mal. O mal que tem costas largas mas que urge acolher com
seriedade, quando ele se apresenta no nosso caminho. É imperativo tentar
compreender a sua origem e a ambiguidade onde se encaixa com o bem.
O
espaço sagrado da troca entre os seres é o exercício da vida curada das suas
patologias, representa a neutralidade e a compaixão ante as aparentes
deficiências alheias e ante as próprias. O reconhecimento, afinal, de que pouco
sabemos mas que a este coração que bate sem cessar dentro de nós, corresponde
um outro, menos palpável mas mais poderoso, habitado por um potencial infinito
e contínuo de uma força balsâmica e estruturante a que nos habituámos a chamar
amor. Não há deve e haver nessa plataforma, apenas a certeza de que não estamos
sós. A sua prática liberta-nos do pecado da infantilização e nutre a paz
interior.
Uma raridade, ao que parece.
Uma raridade, ao que parece.
Litografia: MONTSERRAT GUDIOL
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