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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

E U S É B I O


"...há gente bem pior no panteão"
Vasco Graça Moura


Estou para aqui a pensar no Eusébio.



Nunca o conheci pessoalmente, não gosto de futebol e tudo quanto sei sobre o assunto entra-me à força pelo écran da televisão ou pela rádio onde as notícias futebolísticas têm, em geral, honras de abertura.

Do Eusébio eu ouvia falar quando era pequena, pois o meu pai, benfiquista ferrenho, idolatrava-o. Mas agora há muito que não sabia nada sobre ele.

Tudo quanto escutei, através de terceiros, sobre o Pantera Negra levaram-me, como a toda a gente, a sentir simpatia pelo homem de qualidades raras hoje em dia, como a humildade, o sentido de fairplay, a doçura de alma, a leal entrega toda a vida a um clube e aquilo a que os ingleses chamam de friendliness, uma palavra que não tem correspondência directa na nossa língua mas que implica uma atitude essencial de amigo em relação a todos e a todas as coisas na vida.



Fiquei no entanto surpreendida pela reacção geral ao falecimento de Eusébio, captada que me senti pelas imagens das ruas apinhadas de gente aplaudindo emocionada a passagem dos restos mortais do futebolista, as múltiplas declarações carregadas de emoção de politicos, empresários, dirigentes e responsáveis a todos os níveis. A volta olímpica ao Estádio da Luz sonhada pelo próprio ainda em vida uniu milhares visivelmente de coração destroçado pela partida prematura de Eusébio. E a viagem final até ao cemitério do Lumiar a rebentar pelas costuras de gente que, encharcada pela chuva impiedosa que caía na noite a baixar sobre Lisboa, não arredou pé e em muito dificultou o enterro – provisório, estou certa, pois esperam o futebolista honras de Panteão – essa viagem soou-me acompanhada de um grande e desesperado grito anímico, como se um pedaço da res colectiva tivesse sido arrancado injustamente e antes de tempo àquilo a que chamamos a alma de Portugal.



De algum modo, como no seu momento aconteceu com a princesa Diana, o povo português encontrou na morte de Eusébio e na sua impecável reputação – ainda por cima nem foi nunca rico – o pretexto perfeito para chorar a sua grande dor colectiva, uma catarse perfeita pela mágoa dos tempos que passam, cruelmente materialistas, destituídos de ideais e amor ao outro. Eusébio está rapidamente a ser elevado à categoria de deus, de memória referencial do que é ser universal, consensual e português, no melhor sentido. E isto acontece também com a maioria que nunca o viu jogar mas porque, no desértico esvaziamento de ideais, de princípios nobres, no empobrecimento geral da população a todos os níveis, encontra no crescente mito de Eusébio uma muleta perfeita para chorar por si mesma e de algum modo nutrir-se acarinhando um culto novo de retorno à simplicidade e ao amor entre todos os seres humanos.



Todo lo explican con cuentos escreveu com genialidade o poeta Léon Felipe. Este é um conto novo, fresquinho, a que os portugueses  se agarraram com desespero. As leituras podem ser múltiplas, mas convem manter as proporções para escapar à insanidade que ameaça instalar-se.



Paz à alma de um homem simples e bom que aconteceu ter sido um futebolista  de génio, num tempo em que as coisas eram mais verdadeiras, mais próximas do coração da gente.

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