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sábado, 22 de abril de 2017

INVESTIMENTO NA ROSA



A própria flor é bela porque floresce do modo como o sol floresce nela,
MARIA GABRIELA LLANSOL


O dia amanhecera na glória do canto dos pássaros lá fora.
Abriu o postigo para a dimensão libertadora e incompreensível dos seus trinados, fios de luz ofuscantes penetravam a copa das árvores, tornara-se a rainha deposta dos sonhos de antanho…
Rainha, ainda assim, e, na invisibilidade, rodeavam-na musas compadecidas, a alternar lágrimas com cânticos de inspiração rumo a novos horizontes.

Movia-se sem pressas, buscava o perdão do Tempo, a acção regeneradora do Fogo do Esquecimento, tentava elevar-se acima dos fantasmas da discórdia. Buscava a Ardência Purificadora que varresse de si as dores e os desencantos inadequados à sua essência…subsistia contudo um clarão esplendoroso, embora silenciado, em cada célula macerada.
Como contar-lhes da beleza das galáxias, do voo livre sem restrições, das contas sem cálculo que o Universo faz na perfeição? Nada lhes havia ensinado o trajecto do relâmpago, a alegria que esmorece ante a razão,  o uivo do coiote a destronar fanfarronadas,  os ecos fulminantes da morte e da ausência, a impensabilidade dos actos magnânimos, o retorno assombroso do investimento na rosa?
Na passagem entre mundos, deixara de fora um elo de ligação, férreo e tirânico, que atirara para trás dos dias de agora. Quisera planar mais alto, levantar com graça a neblina que encobria o Esplendor, adivinhado apenas por alguns, para que pássaros, flores, cantos, almas e corpos coincidissem irmanados no mesmo labor peregrino.

Não obstante a malha ensanguentada dos registos, decidiu não recuar. Olhou com firmeza o sol que entretanto se levantara e na iluminada cegueira que a atingiu, dançou como nunca, por entre destroços e estalactites, entrou mar dentro em passos flutuantes sobre as águas, lavou-se na sarça ardente - corpo intacto do outro lado das chamas. Preparada, sentiu-se, para atravessar a fluidez dos dias e validar o inverosímil.

Poetas valerosos acompanharam-na lealmente, mais além do fim.

PINTURA: PAULA NAVARRO

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