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sábado, 13 de junho de 2015

A LINGUAGEM DAS FLORES





Sweet flowers alone can say what passion fears revealing.
THOMAS HOOD (1799-1845)

Há dias, um conhecido intelectual da nossa praça, meu amigável conhecido em tempos,  comentava publicamente que as flores o inquietam porque não comunicam.  Acho que não tinha ouvido nunca alguém dizer tal coisa, pelo que retive a afirmação e fiquei eu, por minha vez, algo inquieta, a reflectir sobre a questão.
Se há companhia que me conforte na densidade em que nos movemos, é com certeza a das flores e a do reino vegetal no seu todo. Talvez porque estavam no planeta muito antes da minha espécie o habitar e são com certeza repositório de uma sabedoria que estou longe de possuir. Firmemente enraizadas na terra-mãe, as plantas e as árvores erguem-se para o cosmos, convivem corajosamente com os elementos e povoam as nossas vidas de cor, graça , senhoras de uma estética incomparável e, na  nossa cultura,  acompanhantes inseparáveis de momentos importantes das nossas vidas. Casamentos, funerais,
nascimentos, namoros, agradecimentos de toda a ordem. Nenhum evento social as dispensa. Eu também não.
Há dias, comovi-me, ao deparar-me com uma avenida inteira de jacarandás floridos a erguerem aos céus a mancha intensamente azul da suas flores com que atapetavam também o caminho por onde eu passava. Belo, sem dúvida, mas vá-se lá saber a profunda e misteriosa razão para as minhas lágrimas.

Preciso da companhia das flores no dia a dia, em cada momento, a sua presença luxuriante e em profusão nas casas que habito e no jardim dá-me confiança e empresta ao meu ambiente algo de vital que me faz sentir rica e abundante, no sentido mais puro que a expressão possa ter. Recurso emocional, portadoras de uma linguagem simbólica complementar das minhas palavras e dos meus actos, as flores, desde sempre presents nas mitologias e nas relgiões, tornaram-se uma extensão do que aqui e agora manifesto. Quando duas mulheres amadas faleceram, encontrei alívio e conforto espiritual enchendo o caixão de rosas, e foi com uma que acariciei pela última vez o rosto sem vida da minha amada Mãe, momentos antes do féretro ser depositado na sua última morada. Ocorreu nesse instante um poderoso e indizível mistério, um amplexo de amor que nada poderá jamais quebrar.
Com flores digo muito do que as palavras não alcançam. Isso vem acontecendo desde há milhares de anos e tal já ressalta no celebrado “Cântico dos Cânticos”. Também Shakespeare conferiu um significado emblemático às flores  na obra-prima Hamlet, Prince of Denmark, pois a heroína Ofélia refere o significado simbólico de várias flores.
Esta linguagem, também conhecida como floriografia, foi mais tarde desenvolvida e cultivada pelos vitorianos, após ter sido trazida da luz de Constantinopla por Lady Mary Wortley Montagu, em princípios do século XVIII.*
Assim, é razoavelmente bem conhecido o simbolismo das flores e como ele nos assiste nos nossos esforços de comunicação.
Creio, contudo, que o que inquieta e intriga o meu amigo é a aparente inacessibilidade de uma linguagem poderosa, existente a níveis vibratórios que a sensibilidade pode reconhecer mas que a razão não consegue explicar. É esse o caso de muita coisa na nossa existência. No das flores, fomos associando a cor e características a sentimentos humanos e criámos toda uma correspondência.
Algo me diz, contudo, que a linguagem encriptada das pantas é outra…
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* A primeira obra publicada dedicada às flores parece ter sido o Dictionnaire du language des fleurs, de joseph hammer-purgstall, em 1809, mas a mais antiga e obra de referência sobre o tema é La langage des Fleurs (1819)  de Madame Charlotte de la Tour, pseudónimo de Louise Cortambert.

Quadros: GEORGIA O'KEEFE

1 comentário:

  1. Onde posso encontrar esse livro para comprar? De M. Charlotte em português

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