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terça-feira, 17 de junho de 2014

DESCIDA AO ROSEIRAL



 Amparou-se trémulo no meu braço, um passinho curto atrás do outro, na tarde cansada dos calores do dia. Dissera que sim, que queria descer ao roseiral comigo, um quase sorriso a aflorar-lhe o rosto murcho, quando o convidei.
Cachos e cachos de belas rosas, semiqueimadas pelos altas temperaturas dos últimos dias, muita poda a realizar.

Ficou parado logo ao princípio da álea do jardim, estático e mudo, o olhar entre feroz e longínquo, aparentemente à escuta, à espera…

Fui falando, disse-lhe da história de cada roseira, as florações continuadas quase todo o ano, o entre grená e roxo daquela tão fragrante que mandei vir de Inglaterra.

E ele à escuta de alguma coisa, o corpo enfraquecido e magro a mal suster-se em pé, o meu cesto de verga com as rosas colhidas, a seus pés.

“Escuta este som…a paz…” disse, num murmúrio.



Escutei com ele, entre curiosa e inquieta, na tarde perfumada. Era o  zum zum das muitas abelhas, numa dança incessante sobre  um mar de lantanas brancas.

Aquele zunido de fundo reteve-o por muito tempo na mesma posição, como que desperto subitamente para qualquer coisa de fundamental, um som repetido que lhe resultava mântrico, estou certa.

Em cada ser vive um mistério único, potencilaidades e sonhos, forças e anti-forças que pouco sabemos manejar.

A memória esboroa-se-lhe, pouco retem já dos dias que passam, o processamento de dados é mínimo.

Mas a minha voz e o amor subjacente ao que lhe vou dizendo, lembram-lhe, sem que o saiba. o que parece ter esquecido. Tudo do domínio do sentir, sem raciocínios.

Aquele som…a paz…motivações  inesperadas para o ser que se apaga.
Insistiu em levar a minha cesta de rosas,  tão próprio dele esse gesto, e regressámos devagarinho.

Ainda estivemos parados frente ao salgueiro que os  filhos lhe ofereceram  num aniversário, meia dúzia de anos atrás.

Admirámos os longos braços da árvore chorona a beijar a terra, a sombra frondosa, o verde.
E o dia, que se apagava.

Quadro: Monserrat Gudiol


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