Amparou-se
trémulo no meu braço, um passinho curto atrás do outro, na tarde cansada dos
calores do dia. Dissera que sim, que queria descer ao roseiral comigo, um quase
sorriso a aflorar-lhe o rosto murcho, quando o convidei.
Cachos
e cachos de belas rosas, semiqueimadas pelos altas temperaturas dos últimos
dias, muita poda a realizar.
Ficou
parado logo ao princípio da álea do jardim, estático e mudo, o olhar entre
feroz e longínquo, aparentemente à escuta, à espera…
Fui
falando, disse-lhe da história de cada roseira, as florações continuadas quase
todo o ano, o entre grená e roxo daquela tão fragrante que mandei vir de
Inglaterra.
E
ele à escuta de alguma coisa, o corpo enfraquecido e magro a mal suster-se em pé, o
meu cesto de verga com as rosas colhidas, a seus pés.
“Escuta
este som…a paz…” disse, num murmúrio.
Escutei
com ele, entre curiosa e inquieta, na tarde perfumada. Era o zum zum das muitas abelhas, numa dança
incessante sobre um mar de lantanas
brancas.
Aquele
zunido de fundo reteve-o por muito tempo na mesma posição, como que desperto
subitamente para qualquer coisa de fundamental, um som repetido que lhe
resultava mântrico, estou certa.
Em
cada ser vive um mistério único, potencilaidades e sonhos, forças e anti-forças
que pouco sabemos manejar.
A
memória esboroa-se-lhe, pouco retem já dos dias que passam, o processamento de
dados é mínimo.
Mas
a minha voz e o amor subjacente ao que lhe vou dizendo, lembram-lhe, sem que o
saiba. o que parece ter esquecido. Tudo do domínio do sentir, sem raciocínios.
Aquele
som…a paz…motivações inesperadas para o
ser que se apaga.
Insistiu em levar a minha cesta de rosas, tão próprio dele esse gesto, e regressámos devagarinho.
Insistiu em levar a minha cesta de rosas, tão próprio dele esse gesto, e regressámos devagarinho.
Ainda
estivemos parados frente ao salgueiro que os
filhos lhe ofereceram num
aniversário, meia dúzia de anos atrás.
Admirámos
os longos braços da árvore chorona a beijar a terra, a sombra frondosa, o
verde.
E o dia, que se apagava.
Quadro: Monserrat Gudiol
E o dia, que se apagava.
Quadro: Monserrat Gudiol
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