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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

TOCHA NO FEMININO




Alguém colocou recentemente no facebook um post sobre Camille Claudel.

Alguém a mencionou e…lembrei-me. Abateu-se sobre mim outra vez o peso imenso, a dor sem limites, inerentes à passagem pela Terra dessa mulher talentosa e bela, pela segunda metade do século XIX e a primeira do XX.



Livre, selvagem, infinitamente aberta à vida, Camille revelou desde muito cedo um talento extraordinário para a escultura. Criou obras fabulosas, palpitantes de interioridade, reflectoras do feminino, inovadoras na concepção e no movimento. Num mundo ainda intrínsecamente patriarcal, Camille luzia com intensidade pouco comum – uma tocha no feminino que urgia abater.



Discípula e amante de Rodin, levou à vida deste o manancial das suas múltiplas ideias, o perfume e a natureza lírica de um talento raro.

Apesar da tumultuosa paixão entre os dois, o escultor nunca deixou a mulher e, após um aborto indesejado, Camille recolheu-se só e chocada, apenas na companhia dos gatos e da sua obra. As dificuldades conómicas, a má alimentação e o isolamento afectaram a sua delicada sensibilidade e começou a sofrer surtos psicóticos. Nesse contexto, destruiu dezenas de obras suas.



Apesar de ter tido o apoio do pai que morreu cedo, a família de origem, preconceituosa e burguesa, jamais a entendeu,.  Perante o percurso errático e pouco ortodoxo e a instabilidade mental que se ia revelando, o irmão mais novo – o muito admirado poeta e ensaísta Paul Claudel – e a  mãe internaram-na num hospício onde sobreviveu, em condições terríveis, por mais trinta anos. Apesar do próprio hospital ter tentado várias vezes que a família reintegrasse Camille por considerar desnecessário o seu internamento, a família nunca mais a quis de volta e a escultora permaneceu encerrada até ao último suspiro.

 

Torna-se impossível imaginar o sofrimento atroz desta mulher, completamente consciente do que lhe estava a acontecer como demonstra a sua correspndência. Esmagada por um mundo masculino, brutalmente castrador da força lillitiana do feminino, Camille pagou duramente o ser diferente, livre e assumida e pereceu, após uma longa vida, aos rigores da existência que a família lhe impôs.

De delirio em delirio, de crise em crise, murchou a flor magoada, apagou-se o brilhante fogo daquela alma tão à frente do seu tempo. Deixou enfim o seu tormento na cama do hospício, aos setenta e nove anos, após trinta de clausura forçada.



Camille, mulher excepcional, a tua dor viaja no tempo até mim, sinto-a nas minhas células.
Corre um canto estremecido por dentro das minhas lágrimas, pois eles estilhaçaram a tua grandeza e ficaram impunes.



À posteridade, passaram Rodin e o teu irmãozinho, Paul Claudel.
Mas estamos sempre a tempo de reescrever a história .

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