O NARCISISTA
O narcisismo nos relacionamentos é muito mais frequente do
que se poderia imaginar. Por este motivo, muitas relações que começam de forma
gloriosa acabam em desastre.
O que é um narcisista e como se comporta?
Conceito de difícl definição, já que hoje todos parecemos enfermar
desse mal, em maior ou menor grau …
O narcisista é aquele
que diz amar-se a si mesmo sobre todas as coisas mas a quem só o seu“self”
interessa verdadeiramente e cuja prática de vida tem de, por norma, acarretar auto-gratificação.
Distingue-se este personagem por uma atitude mercantilista no que se refere aosrelacionamentos
e, como nunca se envolve de forma profunda, jamais chega a ligar-se
verdadeiramente com alguém. Nunca a sua alma alimenta o diálogo com a essência
íntima do outro.
Assim, este outro é uma moeda de troca, uma “commodity”
fácilmente substituível.
O comportamento relacional do narcisista é lúdico pois ele
vive à superfície e na periferia do seu ser. Todo o glamour que caracteriza a fase inicial dos seus relacionamentos,
nunca chega a traduzir-se em substância ao longo do tempo.
A quase inescapável atracção que o narcisista exerce
invariavelmente sobre o outro explica-se em parte porque também neste o ego se sente gratificado pela atenção que
lhe é dedicada por, de modo geral, uma
figura elegante, carismática, com sex appeal e muitas vezes com hábitos de vida
caros e prazenteiros a que o ser humano ora enfeitiçado nem sempre tem acesso
na vida de todos os dias.
Assistimos no narcisista a uma incapacidade para o compromisso
e para qualquer, ainda que remoto, tipo de sacrifício.
Os traços subjacentes às
personalidades narcisistas encontram nos tempos que correm terreno
fértil para desenvolvimento. Tudo na cultura popular e dos media sugere um
atraente potencial de sucesso para o narcisista, ou seja, aquele que tem um
sentido grandioso de si mesmo e que se sente, por conseguinte, com direito a um
melhor tratamento do que os outros por se sentir especial e único.
O narcisista brilha socialmente e, só quando a vida o
confronta com os seus inevitáveis testes, ele se revela com maior verdade
através da indiferença e mesmo crueldade
com que não permite que nada atrapalhe o seu egóico rumo.
O narcisista começa, como vimos, por ser atractivo e sedutor para os
outros. Ele está imbuído de auto-paixão e é uma lenda para si mesmo. No
entanto, a prazo, essas características acabam por se reflectir negativamente
nos relacionamentos pois ninguém pode alimentar nada de criativo a olhar mesmerizado para a própria imagem como se o
mundo começasse e acabasse nela.
Há uma errónea tendência para confundir narcisismo com uma boa auto-estima.
Enquanto esta representa o pilar seguro de uma personalidade estruturada e
saudável, os traços narcisistas – os quais, como já referi, existem em
diferentes graus nas pessoas podendo atingir níveis de desordem grave – porque
exageradamente focados num só ser, acabam por atingir gravemente tudo e todos à
sua volta, em especial o próprio.
Um narcisista é, de forma geral, arrogante, detém um ilimitado sentido de
superioridade, sente que tudo lhe é devido e que não se submete ao que está
abaixo do seu estatuto. Essencialmente egóico, centra as conversas à volta de
si mesmo, vê-se e descreve-se como protagonista fabuloso das histórias
fantasiadas que alegadamente lhe acontecem e alimenta relações tendo em vista
as suas próprias necessidades narcisistas. Não está particularmente interessado
no outro (a não ser para os actos dos quais possa sair auto-glorificado), a
bitola para todas as coisas passa pela resposta à pergunta que sempre se coloca:
“Como é que isto/esta pessoa me faz sentir/me serve?”
Alimentar o ego desproporcionado, sentir-se bem, parecer ainda melhor e
ouvir apenas aquilo que possa agradar aos traços doentios de uma
personalidade espelhada no lago da
popularidade, do ser-se especial e do sucesso constituem, em resumo, o leitmotiv deste tipo psicológico.
A exacerbação do materialismo (com todas as desordens que lhe são
inerentes) tem dado origem, e nomeadamente neste milénio, a um acentuado
crescimento destes traços entre os mais jovens. Na base do fenómeno vive a
ausência de valores espirituais, única força capaz de conter e transmutar a
agressividade e a violência que por todo o mundo proliferam, bem como
desmascarar a falácia da autopromoção e da crença em se ser único e melhor do
que o outro. A muito alimentada fantasia de que a pessoa é melhor do que
realmente é – e certamente melhor do que os outros à sua volta – ignorando a
realidade dos factos, está na origem de uma desordem individual e colectiva que
começa a atingir níveis inquietantes. O
facilitismo na educação – pais indulgentes que com ilimitada complacência
buscam construir a auto-estima dos filhos com elogios exagerados e um sistema
escolar que baixa o nível de exigência e inflaciona as notas para corresponder
aos requisitos das estatísticas -, o irrealismo do crédito fácil (a que até há
pouco se assistiu) de um sistema financeiro ganancioso e virtual, bem como a
constante pressão a todos os níveis para nos tornarmos “mais belos, mais ricos,
mais bem sucedidos” do que o outro, tem levado as gerações mais novas a um beco
sem saída bem representado na superficialidade dos “reality shows” onde perece
toda a dimensão espiritual do ser.
Em resumo, o tão cantado “amor a si próprio”, quando de inspiração
narcisista, ameaça tornar-nos num mundo de egocêntricos, obsessivamente
concentrados na nossa aparência, bem estar pessoal, poder material e apenas e
só naquilo que possa servir os nossos interesses pessoais. O narcisista tem
sempre grandes expectativas em relação à sua vida mas é irrealista nas
correspondentes projecções de fama e estatuto e no que se refere às suas
capacidades pessoais.
A mulher sai especialmente afectada deste fenómeno, pois as características
próprias da sua sensibilidade não se coadunam com a pressão e as tensões a que
o fenómeno narcisista dá lugar. Num artigo publicado no “Guardian”(2009),
Madeleine Bunting refere que a identidade
das mulheres foi sempre emoldurada pelos seus relacionamentos- como mães,
filhas, esposas, amigas e irmãs e que a “relacionabilidade” é ainda central
para o modo como as mulheres vivem as suas vidas. Contudo ela não se coaduna
com esta cultura individualista, intensamente competitiva e narcisista. Isto dá-nos a pista para a cura de um mal que
hoje ameaça atingir proporções epidémicas. Como em muitos outros campos, é
ainda da mulher, geradora de vida e principal formadora do mundo de amanhã, que
a consciência destes factos tem de emergir. E é principalmente dela que se
espera a denúncia dos mesmos e as linhas orientadoras conducentes a um mundo
mais são, onde se faça de novo sentir a música do espírito.
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