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quinta-feira, 27 de outubro de 2011

NO ENCALCE DAS COISAS

Para saber as coisas melhor, para as ver por dentro, eu preciso que o poeta em mim lance o seu olhar encantado sobre a realidade. Deixar que a sua voz doce e secreta nomeie os fios invisíveis, os preciosos filamentos subjacentes a tudo quanto existe e vibra com o coração da vida.  Tocar este fundo implica por vezes um delírio lúcido, num acto de amor desmesurado, sem marcações prévias. As palavras têm de gotejar como chuva inesperada, mas logo as palavras já não chegam, são os átomos do corpo a ganhar asas, um frémito, um vislumbre total do que se não sabe nem se pode saber e se consegue apenas soletrar.
Para saber as coisas melhor, há que transgredir, levantar véus oficiais, caminhar no escuro com o coração-lanterna a alumiar o caminho. Se se ama a vida, há que buscar-lhe o sentido, testemunhar a continuada transformação com a capacidade de transcender as barreiras do vigente que é própria do espírito.
Andamos todos enganados. Somos todos enganados. Mas aquele que ousa entra frequentemente, por entre sombras e ruinas, em consonância com os ritmos cósmicos e uma espécie de sonho primitivo, sendo-lhe franqueado por instantes o acesso a uma dimensão mais autêntica do espaço-tempo-vida, um acercamento a qualquer coisa mais verdadeira e sustentável no sentir.
Vertigem, sonho, vazio e absoluto, inocência febril a querer resgatar o rosto velado do que somos.

Quadro: Remedios Varo

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