Número total de visualizações de páginas

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O ABRAÇO POSSÍVEL


Toda a noite o rouxinol cantou, abrigado no chorão monumental no centro do jardim. Não me incomoda nunca o canto dos pássaros, nem mesmo no sono da noite. Uma espécie de música orgânica que acompanha o pulso da hora que passa...
Acordei assim ao som do rouxinol, bem repousada, e fui à cozinha  buscar o pequeno almoço que todas as manhãs, transporto religiosamente para o meu quarto no tabuleiro alentejano, verde água, decorado com as flores características. Enquanto preparava essa primeira refeição tão importante para mim, uma notícia na rádio tocou-me de forma especial. Uma cadeia de restaurantes em Lisboa fornece gratuitamente o jantar aos médicos do Serviço Nacional de Saúde. A cada jantar juntam uma mensagem escrita por alguém anónimo, dirigida a esses heróis da luta contra a pandemia. O locutor de serviço leu uma delas. A emoção dominou-me.

Convém gerir bem as emoções, em particular agora que andamos tão vulneráveis com a suspensão do mundo, tal como o conhecíamos.
Que lágrimas sejam matéria prima de um novo caminho, espécie de cristal fino a adquirir formas insuspeitadas.

Agora que vivemos, trabalhamos, estudamos, convivemos quase só exclusivamente através da net, por que não fazer um esforço para subir uma oitava? Por que não dar o melhor de nós nos posts diários, da nossa busca, dos nossos interesses, por que não partilhar aquilo a que de mais belo, consistente, profundo, alegre, estimulante temos acesso? Artigos científicos, poemas, música, reflexões pessoais, experiências vividas, imagens de arte, de  flores, artigos dos pouco media ainda fiáveis e, se não puder deixar de ser, notícias do mundo q.b. Evitemos a tensão, as discussões estéreis e a absurda busca de protagonismo. Todos temos algo de importante a partilhar. A minha alma reverência a tua.

Estamos distanciados socialmente uns dos outros, não nos vemos, a não ser no écran, falta o abraço, o carinho táctil.
Mas somos seres com um notável poder de adaptação. Assim, sem esquecer a incomparável energia presente no abraço físico verdadeiro, trabalhemos agora com amor no abraço possível, nestes dias difíceis. Isso vai elevar a frequência vibratória dessa poderosa malha que é a net e lembrar a beleza, a ciência e a cultura, beneficiará o colectivo. Sem nos esquecermos de comentar, de boa fé, o que os outros publicam. Os “likes” por si sós estão banalizados, mais tempo dedicado ao outro  PRECISA-SE!

Lá fora, o rouxinol canta cada vez melhor.

Saibamos escutá-lo...

MARIANA INVERNO, Notas à Sombra dos Tempos

2 comentários:

  1. O rouxinol não pára envolto nos nossos corações ainda tão ingénuos.

    Sue

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Alma perdida

      Toda esta noite o rouxinol chorou,
      Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
      Alma de rouxinol, alma da gente,
      Tu és, talvez, alguém que se finou!

      Tu és, talvez, um sonho que passou,
      Que se fundiu na Dor, suavemente...
      Talvez sejas a alma, a alma doente
      Dalguém que quis amar e nunca amou!

      Toda a noite choraste... e eu chorei
      Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
      Que ninguém é mais triste do que nós!

      Contaste tanta coisa à noite calma,
      Que eu pensei que tu eras a minh'alma
      Que chorasse perdida em tua voz!...
      FLORBELA ESPANCA

      Eliminar