"La Terra é un solo paese. Siamo onde dello stesso mare. Foglie
dello stesso albero. Fiori dello stesso giardino"[1]
Mírzá Husayn-'Alí (1817-1892)

Perguntámo-nos frequentemente como é que o paradigma central se
iria transmutar, quais seriam os passos, as alterações, de onde emergiriam as
iniciativas, as medidas indispensáveis para que o colectivo se viesse de novo a
lembrar que “somos todos flores do mesmo jardim” e que, no fundo, todos
queremos o mesmo: ser mais felizes, mais livres, viver melhor e mais adequadamente
neste belo e rico planeta onde residimos de forma temporária. Mas o mundo
continuou na sua farsa, numa espécie de commedia
dell’arte adaptada a cada cenário político, economicista ou falsamente
artístico.
A gente da minha geração refugiou-se cada vez mais num desespero
ante a falta de ambição espiritual, de causas nobres, ante a ignorância
cultural e o desrespeito pelos mais velhos. Muitos já haviam desistido de tudo,
vivendo apenas para aquilo que o momento permitia, incluindo os amados jovens,
aqueles que são o futuro da humanidade no planeta. Cresceu o fosso abismal
entre ricos e pobres, subiram ao pódio do poder, nos vários continentes,
figuras boschianas que nos foram deixando atónitos pelas suas políticas cada
vez mais ancoradas no interesse próprio e no ganho pelo ganho, sem olhar a
meios.
Sem pré-aviso, ele chegou. Coroado e tudo, a espalhar-se à
velocidade da luz, sem olhar a quem.
De repente, ficámos todos isolados, inquietos quanto à possibilidade da sobrevivência, distanciados uns dos outros e com as liberdades restringidas. Dependentes das notícias, das mesas redondas televisionadas, do número de infectados e de mortos, que não para de crescer. Em tele-trabalho, aqueles que ainda o têm. Sem possibilidade de viajar (actividade favorita dos nossos tempos), com as linhas aéreas, os hotéis, as estâncias turísticas, os restaurantes, todos técnica ou realmente falidos. Confrontados estamos enfim com a realidade depurada: somos aquilo que transportamos em nós, o nosso verdadeiro crédito é a nossa capacidade de resistência e de criatividade, os afectos que despertámos durante a vida e cuja expressão nos chega agora virtualmente. O nosso maior consolo reside na voz solidária que a tecnologia permite que viaje até ao nosso ser isolado. O nosso ser cada dia mais desinfectado com álcool e lexívia, o nosso ser equipado com máscara e luvas descartáveis e que não pode aproximar-se do outro, por receio de contaminação.
A vida tem a sua forma própria de nos ensinar. Se não vai a bem, vai a mal. E, quando não vai a mal, suspeito que tudo cessará na implacável lei da transmutação universal.
De repente, ficámos todos isolados, inquietos quanto à possibilidade da sobrevivência, distanciados uns dos outros e com as liberdades restringidas. Dependentes das notícias, das mesas redondas televisionadas, do número de infectados e de mortos, que não para de crescer. Em tele-trabalho, aqueles que ainda o têm. Sem possibilidade de viajar (actividade favorita dos nossos tempos), com as linhas aéreas, os hotéis, as estâncias turísticas, os restaurantes, todos técnica ou realmente falidos. Confrontados estamos enfim com a realidade depurada: somos aquilo que transportamos em nós, o nosso verdadeiro crédito é a nossa capacidade de resistência e de criatividade, os afectos que despertámos durante a vida e cuja expressão nos chega agora virtualmente. O nosso maior consolo reside na voz solidária que a tecnologia permite que viaje até ao nosso ser isolado. O nosso ser cada dia mais desinfectado com álcool e lexívia, o nosso ser equipado com máscara e luvas descartáveis e que não pode aproximar-se do outro, por receio de contaminação.
A vida tem a sua forma própria de nos ensinar. Se não vai a bem, vai a mal. E, quando não vai a mal, suspeito que tudo cessará na implacável lei da transmutação universal.
Há quem diga que, após esta crise, não restará pedra sobre pedra.
Talvez nem tanto, mas que o alinhamento das pedras será seguramente diferente,
disso não tenho qualquer dúvida.
Por mim, enquanto por cá andar, procurarei reter no meu coração a
memória do abraço, dos afectos verdadeiros, da excelência da beleza, do amor
que as minhas crianças sempre me
despertaram mas a quem talvez não volte a abraçar, do companheirismo espiritual
que encontrei ao longo da minha já longa existência. A beleza inexcedível da
natureza, as minhas amadas flores, o sentimento de me ter sentido toda a vida
cidadã do mundo, a memória do voo a olhar o ponto mais alto, todos os milagres
que sempre me aconteceram em desafio às leis da humanidade...
Todos desconhecemos o amanhã mas, como os cidadãos de “Fahrenheit 451”
com os livros, preservemos cada um a memória do abraço de alma, o único que
vale a pena guardar.
Aconteça o que acontecer.
Por ora, a atmosfera está mais limpa e já se vêm peixes e cisnes
nos canais de uma Veneza sem turistas...
Mariana Inverno, NOTAS À SOMBRA DOS TEMPOS
_______________________________________________
[1]"A
Terra é um só país. Somos ondas do mesmo mar. Folhas da mesma árvore.Flores do
mesmo jardim"
Mírzá Husayn-'Alí (1817-1892)
Mírzá Husayn-'Alí (1817-1892)