“Então
o Espírito conduziu Jesus ao deserto, para ser tentado pelo diabo. Jesus jejuou
durante quarenta dias e quarenta noites, e, depois disso, sentiu fome. Então, o
tentador se aproximou e disse a Jesus: «Se tu és Filho de Deus, manda que essas
pedras se tornem pães!» Mas Jesus respondeu: «A Escritura diz: ‘Não só de pão
vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus.’ «
S.
Mateus IV.1-11
O
triste dia de ontem, em que ocorreu em Washington a patética inauguração de
Trump como Presidente dos EUA, leva-me a uma reflexão, nem sempre fácil de
verbalizar, sobre o que está engatado no nosso mundo.
Quando olhamos para trás na história, é fácil constatar que, no chamado mundo moderno, foi nos últimos cem anos que importantes mudanças políticas, em especial no ocidente e após a traumática experiência da segunda Grande Guerra, permitiram dar força a factores como a cooperação entre estados, o nascimento de grupos político-económicos como a União Europeia, o estado social, o ênfase na importância da cultura, da educação e da saúde. Em termos gerais, é possível afirmar que mais gente tem hoje consciência da importância do ambiente natural, da forma como a nossa ignorância e irresponsabilidade o têm afectado e dos esforços a levar a cabo para contrariar essa tendência.
De
repente, contudo, o mundo parece virado ao contrário. O populismo, esse
vírus global que se alimenta da
carência, do medo e da fé na força de um líder forte, independentemente da sua
ideologia, alastra como um rastilho imparável pelo globo. As novas tecnologias desempenham um papel
fundamental no fenómeno, pois chegaram cedo demais; ou seja, a vasta audiência que as utiliza não havia
atingido o nível de cultura e educação e o discernimento que acompanham estas
últimas, para ser capaz de distinguir o trigo do joio. As redes sociais
tornaram-se, assim, um meio preferencial para os demagogos, “hackers” por
excelência das frágeis estruturas democráticas. O que o ser humano comum não
consegue ver com lucidez é que se os populistas ascendem facilmente a lugares
de poder por meios democráticos, uma vez instalados utilizam esses mesmos meios
para silenciar as vozes que não encaixam no seu projecto de domínio pessoal.
Trump foi coroado há meia dúzia de horas e, mesmo no meio dos festejos, já começou a assinar decretos que almejam
arrasar o que o antecessor de bom construiu, com tanta dificuldade e oposição,
como o Obamacare.
Historicamente, como chegámos a esta situação?
Acredito
que foi a instrumentalidade conferida ao pensamento racional que minou deste
modo a democracia e a formulação de políticas.

O
ser humano vive hoje formatado pela
ânsia de viver bem materialmente, mas esse sonho existe destituído de um
significado mais profundo e não é orientado por crenças ou valores de ordem
espiritual.
Independentemente
do que realmente nos pode tornar mais felizes, cooperantes uns com os outros e
em verdadeira evolução pessoal, o foco foi transferido para a eficiência, o que
funciona, o que está a dar (dinheiro). O mistério e a magia ausentaram-se das
nossas vidas e deram passagem a um desencanto generalizado e ao medo de que nos
falte a segurança indispensável.
Seja
qual for o nosso caminho futuro, é urgente lembrar que “nem só de pão vive o
ser humano...”. E actuar conforme.