Só
chegamos a aprender muito do que é importante sobre nós mesmos e a vida em
geral com a passagem dos anos, a dureza de certas experiências e uma aguda e
imparcial auto-observação.
Refiro-me
às boas intenções que, uma vez passadas a actos que supostamente beneficiarão
aqueles a quem se destinam, acabam frequentemente em desastre.
Através
da minha existência, tenho-me visto vezes sem conta confrontada com os maus
resultados da minha bondade, vontade de ajudar o próximo, aliviar-lhe o
sofrimento, partilhar com os outros a maior ou menor prosperidade que me vai
chegando, tornar minhas também as dores e aflições alheias para que mais
suportáveis se tornem para os directamente atingidos.
Com o passar
dos anos, muitos desenganos e, esperemos, a chegada de alguma maturidade fui
tomando consciência do seguinte.
· As dores e limitações dos outros
não me pertencem e não sou por elas responsável.
· Os meus impulsos de desenfreada
bondade e partilha emergem provavelmente de um sentido inconsciente de
culpabilidade por eu estar melhor que o outro, o que é totalmente irracional e
injusto para mim própria. Cada vida alberga insondáveis mistérios e cada um
colhe o que semeou ao longo das provavelmente múltiplas existências no universo
(não só na Terra) e em consequência da pessoa humana que ora consegue ser.
· As minhas boas intenções, por
mais sinceras que sejam, uma vez materializadas em actos interferem amiúde com o
caminho evolutivo do outro, retiram-lhe a capacidade de luta e criam-lhe a
ilusão de uma força que afinal não possui. O resultado é um inflacionamento
do ego com as consequências previsíveis.
· Estranhamente, a dádiva acaba
muitas vezes por provocar ressentimento, em vez da natural gratidão – a velha
síndrome do “cão que morde a mão que lhe dá de comer”. Assim, o receptor
vira-se internamente contra o dador em quem acaba por encontrar mil defeitos e,
não poucas vezes, a obrigatoriedade de dar sempre.
Estas
conclusões, integradas após uma vida de difíceis experiências, não me tornaram
amarga. Continuo a acreditar na importância da dádiva, da solidariedade e
compaixão, na justa redistribuição de meios. Mas essas práticas devem ocorrer
com discernimento, ponderadas com honestidade as razões para a nossa actuação, analisados
com isenção os contornos da situação que se pretende aliviar e, sobretudo, tida
em conta a não interferência na evolução espiritual do outro.
Receio
que este último seja o ponto em que mais falhei até hoje.