“O que finalmente eu mais sei sobre a
moral e as obrigações do homem
devo-o ao futebol...”
Albert Camus
“Não se pode esperar muito de pessoas
que vivem de futebol,
carnaval e televisão.
Que se dirá de um país.”
Renilmar Fernandes
“O futebol é o ópio do povo e o
narcotráfico da mídia.”
Millôr Fernandes
Agora que Portugal conseguiu a
façanha de chegar à final do Euro 2016, vou tentar a difícil tarefa de escrever
um pouco sobre futebol e o fenómeno sociocultural que ele representa.
Como muito outra boa gente, não
deixo de ficar perplexa pela capacidade movimentadora e de polarização deste
desporto. Apesar de não sentir qualquer atracção pelo futebol e as suas regras
e logística me parecerem de uma simplicidade patética, é dificil não
constatar a importância e a função política
e social que definitivamente adquiriu nas sociedades actuais. A minha abordagem
será necessariamente exploratória, pois torna-se complexo, em especial para
alguém como eu que desta prática nada entende, penetrar o âmago do fenómeno
para além das suas aparências.
O futebol, desporto de todas as
multidões, mimetiza o passo do mundo em que vivemos. Baseado na competição,
como todos os jogos, o seu crescimento ocorreu exponencialmente durante o
século XX, muito sob a acção da FIFA que o elevou à categoria de
mercadoria extraordinariamente bem
sucedida na economia global. Hoje, servido por um marketing muito profissional
e eficaz, movimenta milhões em todo o mundo e despoleta como nenhuma outra
coisa um espírito de pertença ao colectivo, quer a nível patriótico, quer ao
nível da gigantesca comunidade de adeptos do desporto em questão, bem
implementado em todo o mundo.

A FIFA, órgão máximo deste
desporto, está minada por escândalos de fraude, extorsão e lavagem levados a
cabo pela mafia que a dirige. Recentemente, em 2015, ocorreram várias prisões de
altos executivos no Hotel Baur au Lac, em Zurique antes do início do 65º Congresso da FIFA, onde ocorreu a eleição para presidente da mesma.
Outras prisões simultâneas tiveram lugar em Miami e, mais tarde, na Austrália, Colômbia, Costa Rica, Alemanha e Suiça. Emerge igualmente, à semelhança do que se
passa um pouco por toda a parte, uma violência crescente e assassina no
futebol. O que deveria ser um espaço e tempo apenas lúdicos, evolui cada vez
mais para cenários sangrentos, muitas vezes até à morte. Nada mais triste do
que a imagem de um adepto de cachecol ao pescoço, gritando histericamente
“vitória”, cara pintada com as cores do clube que apoia, muitas vezes
acompanhado da descendência na mesma figura, literalmente entregue, rendido,
alienado, disposto a tudo, de coração grato pelo que lhe é dado
sentir…
Vivemos num mundo decadente e o
futebol, ao qual subjazem forças obscuras e gananciosas de manipulação e de
controle, retrata-o na perfeição. Diria que neste inferno velado, os jogadores
serão a parte mais inocente da organização.
Só a subida da consciência, a
educação e o autoconhecimento, a recuperação de valores que nos ligam à
transcendência e nos conduzem a estados
de alma libertadores de alienações e da ilusão organizada, poderá ter o efeito
transformador desejável nesta situação.