Fixo-me nuns olhos
negros, directos, sérios, quase agrestes.
Agradam-me. Bem como a
ligeiríssima curva, ascendente e irónica , nos cantos da boca. Rosto sério,
austero.
Inteireza e
dissidência palpáveis.
Neste mundo
ficcionado, à boleia de uma infantilização crescente, sabe bem encontrar, ainda
que seja num livro, um par de olhos assim, de alcance laseriano, olhos que
abdicaram obviamente de parâmetros fixos e se distanciaram da norma e dos
códigos convencionais de pensamento. Os olhos de Gabriela Llansol.
A sua escrita,
largamente desconhecida do público português,
aí ficou a comprovar o
que digo.
Intuo que ela
experimentou, como eu, a necessidade imperiosa de viver fora e à margem desse
maralhal de seres indiferenciados, em movimentação robótica sobre a superfície
terrestre, pululantes de lugares comuns e vontade incerta.
Preciso de romper com
a paisagem baça que me rodeia, estilhaçar os contornos previsíveis da vida de
onde o canto da alma se ausentou, esgueirar-me para além dos papéis e das responsabilidades
atribuidas, preciso de uma cintilação nova que alumie a minha sempre mutante
relação com o imaginário.
Entrelaço-me no fulgor
estonteante da tua escrita, Gabriela. Entra-me no sangue, numa espiral
ascendente de fogo e desejo de transcendência, de mais além daquilo que me
trava o passo.
Grave a degradação que
por aqui grassa.
Graves a inverdade, a
incultura, a desistência…
Gravíssimo deixar que
as coisas nos aconteçam, sermos matraqueados com limites rigidos de pensamento
e cairmos, pouco a pouco, no esquecimento de quem somos.
Mas tu sabias, Gabriela,
sabias que por detrás do canto, há outro canto por descobrir, que a cor
verdadeira não é a que a visão física
percepciona, que ela se oculta, subtil e rara, na luz que a ilumina por
dentro, a cor que só olhos treinados pela alma podem captar …
Montada no verbo viajaste ao encontro dessa outra vida, no
encalce de uma “outra ocupação da Terra”.Irmanada, ofereço-te estas poucas palavras pois, hoje, o teu canto dissidente e fulgurante arrancou-me do abismo.
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