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domingo, 19 de outubro de 2014

NO REINO DOS MALTRAPILHOS


 

É dramático ver como as pessoas seguem cegamente qualquer onda e, hoje em dia, parece que, quanto mais reles, mais apelativa.


A apresentação de uma pessoa inscreve-se na manifestação do seu ser. Não falo nem de luxos nem de formalismos, refiro-me a um respeito mínimo pela estética e por aquele velho ditado que reza assim: "cada macaco no seu galho"! Torna-se absolutamente patética (e ridícula, a maior parte das vezes) a prática de, em qualquer lugar, se andar vestido como se se estivesse a fazer ginástica, a varrer o jardim ou a sair da praia. Como se tivessemos a idade dos nossos filhos ou quisessemos desesperadamente parecer seus irmãos...
Nos aeroportos, nas ruas, nos cafés, pairam multidões que eu diria de maltrapilhos, gente indistinta, muitas vezes pouco lavada, deselegante e sem maneiras. Estou a falar do mundo ocidental, o dito civilizado!
Lamento muito, mas as confusões na cabeça das pessoas são enormes: fealdade, andar sujo, vestimentas inadequadas (as tais que nos estão uniformizando na aparência como se fossemos apenas rascunhos grosseiros de pessoas) e maneiras pouco polidas passaram a ser "cool" e as pessoas não questionam isto (talvez por que dá trabalho).



A verdade é  que  a sujeira, o barato, o despenteado, por vezes a excentricidade vulgarota tomaram conta do mundo. As banhas são exibidas de forma desleixada, como se os seus portadores nem disso se lembrassem, muito menos tivessem consciência da ofensa estética que causam  a quem não aderiu ao rebanho.

Não gosto, não me identifico, mas isto corresponde a algo, talvez represente simbolicamente a rebelião inconsciente  contra o estado das coisas, de uma certa ordem de valores falsamente arrumada, de uma vida certeira e previsível que já ninguém quer.  Mas como também não se sabe o que se quer, as pessoas vão-se metamorfoseando por fora, de experimentação em experimentação, cada vez mais feias, despenteadas e mal cheirosas.

Para quê mudar de roupa, tomar banho ou passar a escova pelo cabelo se ninguém repara, se andamos todos à balda, se a balda é o que se usa, o que se faz, o que dá menos trabalho…?

E as maneiras, essa mania de dizer por favor, de abrir portas às senhoras (pelo menos às mais velhas), dar o lugar nos transportes públicos ou dizer bom dia e sorrir…? Tudo uma treta, uma pirosada. Não serve para nada.


 Não me conformo, custa-me a aceitar, mas chegámos ao reino dos maltrapilhos. Símbolo de uma decadência profunda e de perda de referenciais a nível colectivo, a aparição desse reino sinaliza igualmente o fim de um tempo a que, inevitavelmente , se seguirá outro, ainda velado para nós.

Convem que nos mantenhamos alerta, que trabalhemos continuadamente na nossa consciência e não nos deixemos apanhar na poderosa onda de moleza e inércia que atravessa o mundo, erroneamente interpretada como moda.



Só passa a eternidade o que é belo, profundo e o que radica na força do espírito, a qual encontra na criatividade humana o seu instrumento de eleição.

Jamais abrirei mão desse tesouro!

O MEU PAI




Foto: Miguel Medalha
Desolada, busco alívio na palavra. Dentro de mim ressoam ecos de Mahler, como se uma fria correnteza de lágrimas silenciosas deslizasse, enfim, por uma rota paralela à dos chakras e redimisse a dor neles alojada.

Ante o conflito e o desencontro de almas obviamente próximas, quisera viajar com eficácia até aos confins dos tempos e compreender as razões do desalinhamento actual. Mas o que está oculto não se quer mostrar, é essa ainda a natureza da manifestação, a imagem aparece refractada nas vastas águas, repositório eterno das experiências da alma.



Álguém, na minha família, se ressentiu que eu tivesse mencionado numa das minhas crónicas que o meu pai escolheu partir desta vida, eufemismo para se ter suicidado, que foi a expressão que  então usei. Quedei atónita ante tal facto!

O meu pai não foi um ladrão, um assassino, um politico vigarista. E se o tivesse sido, continuaria a ser o meu pai e assumi-lo-ia como tal, pois não tive outro. O meu pai foi, na verdade, um homem bom e trabalhador, mas triste e atormentado pelas invisíveis sombras que sobre ele adejavam como abutres e lhe secavam a alegria, o viço e a força de viver. Escolheu partir quando tudo se lhe estilhaçava por dentro e a ignorância geral, oficial e implementada, não lhe pôde valer a não ser com uma etiqueta de esquizofrénico e fármacos que lhe adormeciam os sintomas, o que de nada lhe valeu.


Não compreendo por que eu teria de esconder isto.  O meu pai fez com a sua vida o que conseguiu fazer, faltaram-lhe as forças para a preservar. Isso não me envergonha. Doeu-me muito quando ocorreu há mais de quatro décadas e, durante muito tempo, ao caminhar pelas ruas, dava por mim a esperar encontrá-lo na próxima esquina. Mas sempre respeitei a sua decisão que me ensinou mais do que se possa pensar. Uma compaixão infinita pelas suas secretas dores inundou a minha alma e reforçou o meu apoio à Mãe-coragem que lhe sobreviveu.


Era belo o meu pai, ainda que sombrio e ausente. Complexado pelo que não havia conseguido alcançar na sua difícil vida num estado fascista, atormentado por uma sensibilidade exacerbada e ausência de orientação em como gerir a mesma. Não tinha paz interior, apesar da muralha de força que a sua mulher representava e dos quatro filhos saudáveis e inteligentes. Não sabia como, nem ninguém o conseguiu ajudar a dissipar as trevas que sobre ele se abateram.



Todos escolhemos, no fundo, o que fazer com as nossas vidas. O meu pai pôs fim à sua, na flor da idade, Eu, que herdei dele a fronte abaulada e o coração mole, opto por exorcisar pela palavra o que me vai dentro e tentar disciplinar o coração tenro para que a minha soberania pessoal seja respeitada, O meu parente prefere ostracizar-me, fazer-me desfeitas imperdoáveis, em jeito de “castigo”. Assumo a dor que isso me causa mas rejeito o “efeito castigo”. Nutri sempre por ele o mais profundo afecto mas, antes dele estou eu. Eu, mulher em busca da mulher integral dentro de mim, eu e a minha verdade possível, eu e a minha busca de clarificação, eu e a consciência de que somos o que vamos conseguindo ser, que ninguém é mais importante do que nós e que só ao nosso auto-cumprimento devemos explicações.

Apesar das lágrimas, apesar da vida que é breve e se escoa sem as manifestações de amor que seriam naturais e legítimas,  esse é o meu caminho e a minha opção.



Muito grata, pai, meu bom e partido pai, por tudo o que me ensinaste, aparentemente pela negativa.


sábado, 18 de outubro de 2014

O HOMEM ENSOMBRADO



Mas a sombra se o sol está longe, excede a figura.

A sombra quando o sol está no zênite é muito pequenina

 e toda se vos mete debaixo dos pés.

Mas quando o sol está no Oriente ou no

ocaso, essa sombra se estende tão imensamente, que

mal cabe dentro do horizonte.

(Padre Antônio Vieira -Sermões Pregados no Brasil)



Conheci-o desde sempre, pois não me lembro de mim antes do seu nascimento. Enquanto crescia, foi-se revelando a tendência para a complicação e para o detalhe, a alma feminina sempre a buscar consolo e referências junto da mãe. Também a natureza exploratória, aventureira e uma forma de rir alto, com gargalhadas sonoras e frescas quando algo o tocava pela positiva. Guardava no âmago um coração doce  e ternurento que cedo foi cobrindo com capas protectoras reforçadas.
Bonito e inteligente, vulnerável contudo aos grandes embates emocionais, cedo as dores abriram brechas em níveis mais subtis do ser e por elas se esgueiraram forças alheias que tomou como suas. Começou a sentir coisas estranhas, para além do que a consciência poderia explicar, e tomou-as como naturais.
Tornou-se assim, com o passar dos anos, um homem ensombrado, pois entre si e o sol da vida se posicionaram , com frequência crescente, corpos opacos que o privavam da luz.

O tenro coração, ocultado sob densas capas, bem o tentava impulsionar, mas a luta era desigual pois uma certa arrogância de carácter, resquício negativo do que fora a sua força na juventude, fortalecia as sombras invasivas que o habitavam e lhe manipulavam a mente.

Fomos tão próximos, um dia, sangue do mesmo sangue, sonhos bordados num tempo de aventura e idealismo,  afecto transbordante nos corações dourados de inocência e dádiva.
Passou tudo, resta só a ausência, a aparente indiferença. Ambos receamos as palavras, eu por não saber por quê, ele por achar que sabe bem demais. Ou será o contrário de algum modo, quem sabe.
Sinto que nos perdemos um do outro, que já nada pode salvar o nosso laço, pois a força solar do amor não consegue encontrar expressão no pouco tempo que nos resta na Terra.

Sinto que a Sombra venceu e se estende, ameaçadora, para além do horizonte.

Não importa a explicação. Só o que não teve lugar.
Doiem fundo as lágrimas que não deixo que ninguém veja, afasto-me esvaziada pelo que não pode ser…

Às vezes é preciso reconhecer que a desistência é o único caminho, pelo menos por agora, nesta já longa manifestação na Terra.

De uma coisa estou certa: um de nós irá ao funeral do outro.

sábado, 4 de outubro de 2014

CONVERSAS COM ANIMAIS



 Assisti com gosto ao lançamento do livro “Conversas com Animais” da Marta Sofia Guerreiro, uma médica veterinária “que comunica com os animais e cura os seus donos”. Na pequena cidade de Reguengos de Monsaraz, no ainda mais pequeno centro de apoio educativo que tenta promover novas referências para a educação das gentes. Foi um encontro muito agradável, de vinte e tantas pessoas. A energia de compreensão e amor aos animais foi-se adensando à medida que a sessão, moderada por Felippa Lobato, avançava.

A jovem veterinária falou com simplicidade e em tom amoroso da sua relação com os animais, o muito que lhe ensinam todos os dias e da emocionante dedicação que a maioria deles sente pelos seus donos (cuidadores), estando dispostos a dar a vida por eles.
Seguiu-se a tertúlia, troca de experiências pessoais, gente comovida pela partida recente ou distante de um animal de estimação. Num país onde as audiências são em geral apáticas, fiz e ouvi testemunhos diversos, perguntas, o ênfase sempre posto no respeito e amor com que os animais devem ser tratados e a nossa grande ignorância e falta de reconhecimento ainda pelo papel que estes nossos companheiros de rota desempenham durante a residência conjunta na Terra.

É certo que já vão surgindo, entre os humanos terrestres, núcleos de consciência mais elevada em relação aos animais, mas sinto que ainda nos falta muito colectivamente para um padrão comportamental aceitável nesta área. Ele há-de, contudo, surgir e ganhar força em definitivo com a energia dos novos paradigmas de um Mundo Novo assente nos valores do feminino da alma.

Os factos relatados passaram-se,,como disse, num pequeno centro educativo duma cidade do interior. O produto da venda do livro destina-se integralmente a financiar cuidados com os animais.

A bem de uma Consciência Maior.

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Memória de Einstein (em jeito de poema)
Para os meus netos e todas as crianças do mundo

o meu  cão chamava-se Einstein  
era um animal belo e imponente  
longo pelo louro focinho pontiagudo 
olhos de mel naturalmente maquilhados

o meu cão destilava amor   
o meu cão era a canificação do amor 
até quando ladrava  
amava as crianças e amava-nos a todos 
não largava a Vovó
que o apaparicava às escondidas 
comida sempre fresquinha nada de latas

um dia o meu cão fugiu  
pedia-lhe o corpo o instinto 
andou milhas nas praias próximas 
sabe-se lá em que andanças se meteu 

gritei por ele nas ruas da vila 
ecoava o seu nome de sábio
na minha voz inquieta 
pelas ruas  vielas  à entrada dos prédios 
pelos terrenos baldios  postos de gasolina

nada

um dia voltou pela manhã 
montinho de areia sobre o nariz afilado 
corpo exausto  olhar culpado  
dormiu dois dias a fio  
e nunca mais fugiu

viveu muitos anos  rei do nosso jardim 
até que doente e velhinho 
a uivar de dor noites sem fim 
decidimos que partisse

despediu-se de todos 
arrastado o corpo enfermo
até cada um
o focinho longo e quente
encostado às nossas lágrimas
pela última vez

a memória do meu cão
eleva-me a consciência  

Einstein sumptuosa dádiva  
companheiro incomparável 
não te soubemos reconhecer
devidamente
no teu dia próprio)e instein os reconhecer devidamente no dia prmo atm  decidimos que partissecinho pontiagudo  olhos de mel naturalmente maquilha