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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A FLOR DO CARDO


Esta é a hora certa de toda a incerteza futura.

Pois ninguém sabe ao certo como se agarra a face mais brilhante dos dias por vir, há muitas teorias e experiências-piloto, cada um fala ou faz a seu modo, ou não faz nada, deixa que façam por si…



Parece que devia estar para aqui a festejar, mas tenho frio cá dentro, ainda mais que lá fora – baixou imenso a temperatura. embora o astro-rei tinja tudo de um esplendor momentâneo.

Um dia iniciado no contacto com o desvario, com a perda reconfirmada do que se foi e não mais se será, não será talvez a melhor fonte de inspiração. No entanto, se me fosse dada a escolha, não quereria estar noutro local, esta é a cor da minha lenda pessoal, a que escolhi viver de forma consequente.



Pensei que gostaria de dormir um pouco mais nesta manhã gelada de fim de ano, mas na verdade o que quero é permanecer de olhos fechados, solitária  colhedora interior de exóticas flores neste mar de cardos, neste pantanal lúgubre onde há que reinventar a coerência das horas.



Mas também as coisas em geral deixaram de fazer sentido. As coisas estão a adquirir um sentido novo, mas nem sempre o novo é fiável, pois anda tudo empobrecido.  Ontem ouvi alguém de inteligência incontestável e muito influente eleger o Cristiano Ronaldo como figura do ano. Acima dos Costas, dos Sócrates, do iluminadíssimo Papa, o melhor Relações Públicas que uma igreja decadente e de consciência pesada podia ter contratado. Sobretudo, acima dos que trabalham desinteressadamente na expansão da consciência humana e por tal motivo, pagam o preço da sua inconveniência.

Nada, ou quase nada, faz muito sentido. Mas ainda sou eu, acho. Este é só um momento mau, digo-me. Nem consigo sentir que faço anos, um dia tradicionalmente alegre, em que estas almas com quem partilho a minha passageira residência na Terra me mimam sempre e me fazem sentir que a minha vida é verdadeiramente especial para elas.

É assim que me sinto e não me apetece transmutar nada. Pela primeira vez, possivelmente, estou a viver quase só o momento presente, não me são permitidas projecções brilhantemente transformadoras da realidade, vou fazendo de cada pequeno passo, todos os dias, o centro da minha vida.

Ainda assim, tenho de reconhecer que a flor dos cardos é deslumbrante pois, quando se nos revela, afigura-se-nos um sentido não revelado para o caminho duro.
Many returns of the day! E que os cardos nunca deixem de florir...