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domingo, 30 de outubro de 2011

ASPIRINA PARA A FELICIDADE?

Pedias isso nesse jeito que a gente te conhece, pensamento que ocorre por vezes à maioria, quando a luz escasseia, o corpo pesa e a esperança parece um mito distante e inalcançável, tudo insuficiente, baço, tão pouco à altura...
E houve logo abraços e beijos, confortos, companhia (ainda que virtual), receita de aspirina para uma catrefada de coisas (como aqueles sampoos dois em um que estragam o cabelo, dizem) e tu ficaste confortada, agradecida, na mesma.
Se estivesse ao pé de ti, teria possivelmente dito as mesmas coisas e abraços e beijos com aquela afectividade que bem conheces. Mas se olhasses no fundo dos meus olhos, terias encontrado lagos imensos de solidão, uivos de um vento agreste, o desespero dos trilhos desconhecidos, a vibração incongruente do que nos fere sem ter nada a ver com este som único, pessoal que a alma emite. A pergunta persistente, o véu que se não levanta, aquele golpe de asa que o poeta cantou e que nos continua a faltar para atingir, sabe-se lá o quê...Mas sabemos que está lá, algures, impensavelmente encoberto, um princípio de resposta, trampolim para outras etapas.
No fundo dos meus olhos encontrarias, também, a doce luz da gratidão por estares aqui na Terra a par de mim, tu que podes entender o que te escrevo. E é só isto que verdadeiramente te posso dar, em jeito de aspirina para algum alívio.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

NO ENCALCE DAS COISAS

Para saber as coisas melhor, para as ver por dentro, eu preciso que o poeta em mim lance o seu olhar encantado sobre a realidade. Deixar que a sua voz doce e secreta nomeie os fios invisíveis, os preciosos filamentos subjacentes a tudo quanto existe e vibra com o coração da vida.  Tocar este fundo implica por vezes um delírio lúcido, num acto de amor desmesurado, sem marcações prévias. As palavras têm de gotejar como chuva inesperada, mas logo as palavras já não chegam, são os átomos do corpo a ganhar asas, um frémito, um vislumbre total do que se não sabe nem se pode saber e se consegue apenas soletrar.
Para saber as coisas melhor, há que transgredir, levantar véus oficiais, caminhar no escuro com o coração-lanterna a alumiar o caminho. Se se ama a vida, há que buscar-lhe o sentido, testemunhar a continuada transformação com a capacidade de transcender as barreiras do vigente que é própria do espírito.
Andamos todos enganados. Somos todos enganados. Mas aquele que ousa entra frequentemente, por entre sombras e ruinas, em consonância com os ritmos cósmicos e uma espécie de sonho primitivo, sendo-lhe franqueado por instantes o acesso a uma dimensão mais autêntica do espaço-tempo-vida, um acercamento a qualquer coisa mais verdadeira e sustentável no sentir.
Vertigem, sonho, vazio e absoluto, inocência febril a querer resgatar o rosto velado do que somos.

Quadro: Remedios Varo

domingo, 2 de outubro de 2011

DOS DIAS INCOLORES

Instalou-se nela um grande silêncio.
Aos poucos, fora-se afastando dos certos, dos correctos, dos virtuosos, dos superiores, dos que vêm mais, dos que conhecem, propagam, divulgam, estão acima...
Apartara-se do que parecia amor mas não era, do que se chamava cumplicidade e era só interesseirismo ou vazio ou qualquer coisa do género, das suas próprias ilusões àcerca de si mesma versus os outros, distanciara-se de tudo e agora tudo via através de um véu incolor mas efectivo.
Guardava as memórias do como se deve proceder e buscava cumprir. Era tudo.
Segurava a mão da mãe velhinha e sofredora, tocavam-na muito ainda as lembranças do seu empenho nela e nos irmãos, os desvelos, incondicional apoio. Tiveram a sorte de a ter tido, nunca haveria flores suficientes para a celebrar.. chorava por dentro a velhice, a incapacidade, a dor da impotência. Ainda o olhar sobre quem sofre, o gesto ainda, a partilha, tudo em câmara lenta, como num filme antigo.
Distanciara-se tanto de quase tudo e todos que bem poderia ser ela a partir e não a velhinha. Pois só o amor dá sentido à vida, só o toque das almas, a infinita compaixão, o gesto dos afectos... velas na noite escura da passagem por este ermo de incompreensões e simulacros.
Estranha a si mesma, marejada de lágrimas, algo em si persistentemente estupefacto perante a inverdade.