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sábado, 17 de setembro de 2011

NARCISISMO


NARCISSUS de Caravaggio

Os traços subjacentes às  personalidades narcisistas encontram nos tempos que correm terreno fértil para desenvolvimento. Tudo na cultura popular e dos media sugere um atraente potencial de sucesso para o narcisista, ou seja, aquele que tem um sentido grandioso de si mesmo e que se sente, por conseguinte, com direito a um melhor tratamento do que os outros por ser especial e único.
O narcisista começa por ser atractivo e sedutor para os outros. Ele está imbuído de auto-paixão e é uma lenda para si mesmo. No entanto, a prazo, essas características acabam por se reflectir negativamente nos relacionamentos pois ninguém pode alimentar nada de criativo a olhar  mesmerizado para a própria imagem como se o mundo começasse e acabasse nela.
Há uma errónea tendência para confundir narcisismo com uma boa auto-estima. Enquanto esta representa o pilar seguro de uma personalidade estruturada e saudável, os traços narcisistas – os quais existem em diferentes graus nas pessoas podendo atingir níveis de desordem grave – porque exageradamente focados num só ser, acabam por atingir gravemente tudo e todos à sua volta, em especial o próprio.
Um narcisista é, de forma geral, arrogante, detem um ilimitado sentido de superioridade, sente que tudo lhe é devido e que não se submete ao que está abaixo do seu estatuto. Essencialmente egóico, centra as conversas à volta de si mesmo, vê-se e descreve-se como protagonista fabuloso das histórias fantasiadas que lhe acontecem e alimenta relações tendo em vista as suas próprias necessidades narcisistas. Não está particularmente interessado no outro (a não ser para os actos dos quais possa sair auto-glorificado), a bitola para todas as coisas passa pela resposta à pergunta que sempre se coloca: “Como é que isto/esta pessoa me faz sentir/me serve?”
Alimentar o ego desproporcionado, sentir-se bem, parecer ainda melhor e ouvir apenas aquilo que possa agradar aos traços doentios de uma personalidade  espelhada no lago da popularidade, do ser-se especial e do sucesso constituem, em resumo, o leitmotiv  deste tipo psicológico.
A exacerbação do materialismo (com todas as desordens que lhe são inerentes) tem dado origem, e nomeadamente neste milénio, a um acentuado crescimento destes traços entre os mais jovens. Na base deste fenómeno vive a ausência de valores espirituais, única força capaz de conter e transmutar a agressividade e a violência que por todo o mundo proliferam, bem como desmascarar a falácia da auto-promoção e da crença em se ser único e melhor do que o outro. A muito alimentada fantasia de que a pessoa é melhor do que realmente é – e certamente melhor do que os outros à sua volta – ignorando a realidade dos factos, está na origem de uma desordem individual e colectiva que começa a atingir níveis inquietantes.  O facilitismo na educação – pais indulgentes que com ilimitada complacência buscam construir a auto-estima dos filhos com elogios exagerados e um sistema escolar que baixa o nível de exigência e inflaciona as notas para corresponder aos requisitos das estatísticas -, o irrealismo do crédito fácil de um sistema financeiro ganancioso e virtual, bem como a constante pressão a todos os níveis para nos tornarmos “mais belos, mais ricos, mais bem sucedidos” do que o outro, tem levado as gerações mais novas a um beco sem saída bem representado na superficialidade dos “reality shows” onde perece toda a dimensão espiritual do ser.
Em resumo, o tão cantado “amor a si próprio”, quando de inspiração narcisista, ameaça tornar-nos num mundo de egocêntricos, obsessivamente concentrados na nossa aparência, bem estar pessoal, poder material e apenas e só naquilo que possa servir os nossos interesses pessoais. O narcisista tem sempre grandes expectativas em relação à sua vida mas é irrealista nas correspondentes projecções de fama e estatuto. A mulher sai especialmente afectada deste fenómeno, pois as características próprias da sua sensibilidade não se coadunam com a pressão e as tensões a que o fenómeno narcisista dá lugar. Num artigo publicado no “Guardian”(2009), Madeleine Bunting refere que a identidade das mulheres foi sempre emoldurada pelos seus relacionamentos- como mães, filhas, esposas, amigas e irmãs e que a “relacionabilidade” é ainda central para o modo como as mulheres vivem as suas vidas. Contudo ela não se coaduna com esta cultura individualista, intensamente competitiva e narcisista.  Isto dá-nos a pista para a cura de um mal que hoje ameaça atingir proporções epidémicas. Como em muitos outros campos, é ainda da mulher, geradora de vida e principal formadora do mundo de amanhã, que a consciência destes factos tem de emergir. E é principalmente dela que se espera a denúncia dos mesmos e as linhas orientadoras conducentes a um mundo mais são, onde se faça de novo sentir a música do espírito.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

PARA ALÉM DOS SENTIDOS

se te falasse das pequenas coisas que me assombram ficarias absorta na contemplação de um mundo que quase nunca vês e talvez daí colhesses a tal seiva húmida de que todos precisamos para ver...
vejo fealdade, rostos-esgar a passar em high speed  no ar poluído da metrópole, vejo os olhos vibrantemente azuis de um bebé que num canto da cafetaria me olhava como se conhecesse de há milénios – cristais líquidos  a desencantar memórias armazenadas algures no espaço akáshico – vejo as flores de fim de verão a desencadear corolas e corolas mântricas sobre o meu ser esfomeado...
canta na casa por muito tempo a água de um duche persistente na tentativa de limpeza daquele ser atormentado, o agressor chora passado o clímax da luta, para que foi tudo aquilo, não levou a nada, não valeu a pena, não vale as mágoas e o vazio...
a mulher-menina que já não é menina mas ainda não mulher apesar do avançado cronológico, segue auto-hipnotizada, a fingir que é quem não é e perde o útero, às vezes as mamas, finalmente a vida toda sem ter a coragem de olhar para dentro...
gritam, matam-se e esfolem, brandem armas em nome do único deus, dos direitos do povo, sujos, delinquentes, habitados pelo ódio, incapazes, incapazes - fios manipulatórios respiram de alívio...lá se foi mais um ditador que já não serve...
e eu e a minha pele suave, eu e os meus olhos de luz que os sinto assim sempre, eu quem sou por onde vou se é que vou por algum lado, aonde e quando colherei o meu prana, já que o tempo corre agora como a própria luz e se evade de mim como amante perseguido...
concentra-te em mim se puderes, busco-te para além do que sabes de ti mesma, alcanço-te por vezes no elusivo timbre da tua nota cósmica, aí me fundo no eterno abraço...