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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

CAMINHADAS NA CIDADE GRANDE


Longas caminhadas pela cidade grande. É preciso, diz o médico, a recuperação disso depende.
Andar assim só pela cidade grande, sem ter outro objectivo que não seja o caminhar, espécie de substituto da fisioterapia que habitualmente se sucede às cirurgias, andar assim torna-se um exercício interessante de recolhimento pessoal no meio das multidões.
Esta é uma cidade cheia de gente obcecada com gente obcecada consigo mesma. Basta ver a fealdade das vestimentas, o desleixo pessoal, olhares apagados em busca de um efeito qualquer à superfície, tudo à superfície, tudo na periferia de cada ser. Os ténis, os jeans rotos (custam mais caro, assim), cabelos desgrenhados e de cores variadas (do vermelho ao platinado passando pelo azul) e as capas das revistas populares focadas nos Beckhams deste mundo, nos seus óculos escuros, filharada, designer (?!) clothes e a altura dos saltos da Victoria. 
Toda a gente corre, não sei bem para onde, cheira mal nas ruas (sempre tive um olfacto muito sensível ou… será que não se lavam?) e não há conteúdo em parte alguma. Nem nos gestos, nem nos interesses, nem nos anúncios, lojas, conversas de café, olhos das pessoas e até nos livros se nota hoje um abuso imenso dessa falta de consistência, de verdadeiro miolo. 
Knightsbridge foi tomada de assalto pelos árabes e está hoje irreconhecível. Hipocrisia e aparência houve sempre, mas acho que apesar de tudo preferia a de antigamente. Sentia-se a cultura de fundo, sentia-se um English way of life que tinha o seu quê de interessante. Hoje, em lugares como Knightsbridge por onde se passeiam multidões de árabes muitas vezes integrando mulheres ainda completamente veladas, com chandor, mascara e tudo, hoje é como se eu sentisse apenas só sombras, resquícios de pessoas que se desligaram do mais importante nas suas culturas respectivas e se arrastam, preguiçosamente, atrás daquilo que o muito dinheiro lhes compra. Gente híbrida, desenraizada, o cérebro gorduroso utilizado talvez a um por cento do seu potencial.
Nas lojas caras, Harrods e companhia, os empregados, em geral jovens e inexperientes (saem mais baratos à corporação) papagueiam a cassete que lhes impigiram no treino de dia e meio antes de entrarem ao serviço. Miram-me com olhos de carneiro mal morto, completamente bloqueados, quando a pergunta sai do rame rame e repetem de forma robótica uma das respostas aprendidas no tal curso inicial.
Tudo caro, obscenamente caríssimo, destinado a bolsos bem recheados.

Só me resta, por isso mesmo, recolher-me em mim, nos meus passos, conectar-me para cima, pelo menos para cima de tudo isto, onde ainda haja vida que se possa chamar como tal.  
E continuar a caminhar.

sábado, 16 de fevereiro de 2013


AUXILIAR DE MEMÓRIA PARA AS MULHERES (E HOMENS) DESTE MUNDO

A propósito da violência crescente que reina no mundo em relação à mulher, senti desejo hoje de escrever uma carta aberta a alguém que, na misteriosa corrente que é a vida, foi chamada a testemunhar, através da sua arte, a inocência hoje perdida da mulher relativamente à sua sensualidade.


Minha querida Lena:

LENA GAL, A Terra que me embalou
Já me parecem longínquos os dias em que as circunstâncias permitiram a nossa colaboração no campo da arte, mas como o que é genuino permanece, quero deixar aqui impressa na palavra, a minha homenagem ao que de verdadeiramente importante detectei na tua arte: a sua temática. Cada pessoa tem algo de único a deixar como legado, algo que vive no campo da sua lenda pessoal e que, ao ser activado, constitui uma espécie de bordão mágico ao conferir ao que o brande um poder especial. É aí que reside o teu. Há uma parte de ti, tenra e luminosa, que capta incessantemente esse legado perdido da mulher, a sua maravilhosa sensualidade que só pode verdadeiramente brilhar assistida pela inocência pessoal. Encontrei isso em muitos dos teus quadros e, por isso, trabalhei activamente na sua promoção e conservo muitos deles no meu ambiente privado.
Achei importante dizer-te isto num momento em que a confusão é cada vez maior no mundo e em que a mulher é crescentemente violentada e se sente, não poucas vezes, confusa e perdida ante as forças em jogo.
LENA GAL, Rapariga na Lua
Não deixes nunca morrer esse poder em ti. Ninguém pode fazer tudo, nem ser todas as coisas para os outros. Na minha percepção, o teu grande contributo, é o de recolher e representar memorias atávicas da pureza e sensualidade femininas no contexto da vida natural.
Um auxiliar de memória fundamental nos dias que correm.

Um abraço afectuoso e que bons ventos soprem no teu caminho
Mariana