Como
reflexo a uma conversa recente com um amigo sobre o ego, decidi fazer uma
pequena reflexão escrita sobre o que este significa para mim e tentar assim
esclarecer o meu amigo sobre a minha própria convicção.
Creio
haver, hoje em dia, uma enorme confusão sobre o conceito de ego, palavra que em
muitos léxicos obteve uma conotação totalmente negativa, pela associação com
uma autoestima exacerbada.
Para
mim, o ego não sou eu, o meu centro. O ego é um mecanismo que se constrói na
criança, a partir do momento em que entra neste mundo e é estimulada/ensinada/amada/rejeitada pela mãe e pela sociedade em que está
inserida. A criança é premiada/castigada pelos seus actos e produções e, dessa
forma, vai aprendendo como se deve comportar para ser aceite socialmente e
poder funcionar sem grandes inconvenientes para si mesma. O ego torna-se assim
uma espécie de órgão mediador entre os impulsos profundos do ser e a chamada
realidade. Ele gere os limites das nossas reacções e da própria acção, pois foi
formatado pela educação e pelo meio social para compreender os riscos e as
vantagens inerentes às mesmas para o Eu. O ego dança, deste modo, na corda
bamba de uma angústia constante, entalado que se encontra entre as grandes
pulsões do ser que ele tem de editar e a acção permitida para o bom
funcionamento do ser na chamada realidade. Esta não é individual, mas colectiva
e o ego de cada um reflecte tão somente o que lhe foi inculcado, os limites que
aprendeu, o curso de gestão pessoal adquirido para a sobrevivência no
colectivo.
Fundamental é compreender que o meu ego não sou eu, mas que sem o seu funcionamento bem regulado, uma de duas coisas podem acontecer:
Fundamental é compreender que o meu ego não sou eu, mas que sem o seu funcionamento bem regulado, uma de duas coisas podem acontecer:
-
Não
conseguir sobreviver em moldes minimamente aceitáveis, por disfunção social;
-
Exacerbar
de tal forma a sua importância e confundi-lo com a própria essência pessoal, o
que conduz inevitavelmente a patologias várias.
A quem já alcançou esta auto-percepção é possível optar, em
relativa segurança, pela passagem à fase seguinte, ou seja: manter o ego dentro
dos limites da sobrevivência pessoal sem males de maior, mas estar
verdadeiramente atento aos grandes impulsos interiores, às áreas internas há
muito abandonadas pela sua inconveniência, e tentar escutá-las, buscar a sua
origem, razão de ser, desígnios e dar-lhes a voz possível.
O grande Amor, a exaltação, a criatividade e os saltos quânticos interiores não
podem ter lugar dentro dos limites do ego. Mas sem ele, o caos instala-se nas
nossas vidas, perde-se o equilíbrio entre as partes.
E afinal o que vem primeiro: o ovo ou a galinha?
A ver se o ego do meu amigo, num esforço sobre- humano, aceita aquilo que o meu ego, com igual empenho, lhe tenta comunicar.
A ver se o ego do meu amigo, num esforço sobre- humano, aceita aquilo que o meu ego, com igual empenho, lhe tenta comunicar.
Ilustração: Gary Samunjan
Ken wilber: ..." Existe certa verdade na ideia do transcender o ego: não significa destruir o ego, mas, sim, conecta¡-lo a alguma coisa maior. Como afirma Nagarjuna, no mundo relativo, atman são real; no absoluto nem atman nem anatman são reais. Assim, em nenhum caso annatta corresponde a uma descrição correta da realidade. O pequeno ego não se evapora; permanece como o centro funcional da actividade no domínio convencional. Como eu disse, perder esse ego significa tornar-se um psicótico, não um sábio.
ResponderEliminar"Transcender o ego", significa, pois, em verdade, transcender mas incluir o ego num envolvimento mais profundo e mais elevado, primeiro na alma ou psiquismo mais profundo, depois na Testemunha ou Eu superior e, então, dá-se a absorção nos níveis precedentes, envolver-se, incluir-se e abraçar-se na radiância do eu original, One Taste - o estado de visão não-dual ou consciência da unidade. Um Sabor. E isto não significa, portanto, "livrar-se" do pequeno ego, mas, ao contrário, habitar nele plenamente, vivê-lo com entusiasmo, usa¡-lo como veículo necessário, através do qual as grandes verdades podem ser transmitidas. Alma e esprito incluem o corpo, as emoções e a mente; não os eliminam.
Grosseiramente, podemos dizer que o ego não é uma obstrução ao Esprito, mas uma radiosa manifestação do Esprito. Todas as Formas não são senão o Vazio, inclusive a forma do próprio ego. Não é necessário livrar-se do ego, mas, simplesmente, vivê-lo com certa intensidade. Quando a identificação transborda do ego no Cosmos em geral, o ego descobre que o Atman individual é, de fato, da mesma espécie de Brahman. O Eu superior não é, em verdade, um pequeno ego, e, assim, no caso de estarmos presos ao nosso pequeno ego, a morte e a transcendência são necessárias. Os narcisistas são, simplesmente, pessoas cujos egos não são ainda suficientemente grandes para abraçar o Cosmos inteiro e, para compensar, tentam tornar-se o próprio centro do Cosmos.
Não queremos que os nossos sábios tenham grandes egos; nem sequer desejamos que exibam qualquer característica evidente. Sempre que um sábio se mostra humano - a respeito de dinheiro, comida, sexo, relacionamentos - sentimo-nos chocados, porque estamos planejando fugir inteiramente da vida, e o sábio que vive a vida nos ofende. Queremos estar fora, queremos ascender, queremos escapar, e o sábio que assume a vida com prazer, vive-a totalmente, pega cada onda da vida e surfa nela até o fim - nos perturba e nos assusta intensamente, profundamente, porque significa que não, também, devêramos assumir a vida com prazer, em todos os níveis, e não simplesmente fugir dela numa nuvem etérea, luminosa. Não queremos que nossos sábios tenham corpo, ego, impulsos, vitalidade, sexo, dinheiro, relacionamentos ou vida, porque essas são coisas que habitualmente nos torturam e queremos vá-las longe de nós. Não queremos surfar as ondas da vida, queremos que as ondas desaparecerem. Queremos uma espiritualidade feita de fumaça.
O sábio completo, o sábio não-dual está aqui para mostrar-nos o contrário. Geralmente conhecidos como "tântricos", estes sábios insistem em transcender a vida, vivendo-a. Insistem em procurar libertação no envolvimento, encontrando o nirvana no meio do ciclo contínuo de nascimento e morte. Samsara, encontrando a libertação total pela completa imersão. Passam com consciência pelos nove círculos do inferno, certos de que em nenhum outro lugar encontrarão os nove círculos do cau. Nada lhes é estranho porque nada existe que não seja Um Sabor.