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quarta-feira, 1 de novembro de 2017

FESTUM OMNIUM SANCTORUM - 1 de Novembro



Veio-me a calhar este dia de todos os santos e mártires, cansada como ando.
Um dia cujo significado anda perdido para a maioria, pois também ele se perdeu das suas origens e memórias, como quase tudo actualmente.  Encorpado e assente no Samhaim* dos celtas, utilizado estrategicamente pela igreja para tentar adquirir simbolismo universal ligado à santidade, acabou por abrir os braços aos nossos mortos, santos ou não,  habitantes silenciosos das memórias de cada um.
Foi este também o dia em que a Terra escolheu tremer em 1755 aqui para as bandas da Mátria e em que o fogo devastador e o mar, a galgar o nosso jardim à beira-mar plantado, fizeram o resto.

Estou aqui entre os meus mortos, os meus santos, e em honra deles escrevo linhas de perplexidade ante esta finíssima linha  a separar a Terra e o Além, tão ténue e diáfana que a maioria a não vê.
Mesmo que eu não queira, nos ares dança ao de leve um pendor saudoso. Vejo-lhes os rostos e toca-me o cheiro da sua ausência, desse seu bem querer sobre o qual me alicercei. Foram mártires todos eles, a seu modo, privados de um consciência mais esclarecedora, presos a carmas que lhes aspergiram as vidas com muitas outras faltas, tudo tão equivocado e preso ao sofrimento e à perda.
São os meus santos, pois conheci-os de perto e experimentámos aquilo a que se pode chamar amor.
Quisera acender uma fogueira gigantesca capaz de iluminar as suas almas, em estádios diferentes de aflição ou de serenidade e levar a cabo ritos sagrados, próprios para homenagear os desaparecidos.
Sou ainda habitante do dia que passa, o dia de todos os santos, incluindo os meus. Destes braços cansados, cheios de nada, sai o trémulo apelo ao cair do véu que nos separa.
Peço “pão-por-deus” e recito versos de amor e de saudade, como as crianças que, em bando, o  costumavam fazer em certos lugarejos.
 Levo-te no peito como rosa aberta/rosa de sangue e amor e vida/inextinguível
/quero crer
e, noutro encalço,
fixei-te hoje para o sempre 
com/lágrimas sangue novo dor esquecida/viverás no poema como um deus/
que emergiu de uma sombra preterida
Lembro anjos que passaram pela minha vida, hoje recolhidos aos grandes claustros do silêncio: a avó das violetas e a avó da palavra de oiro, a mágica Bia da libertação expansiva e outras e outros.
Fora de mim, o mundo prossegue, enlouquecido. Pela indiferença e pela crendice – sapos, bruxas más, espíritos errantes, halloweens importados. Tudo adormece o poder  que nos seria próprio, se respirássemos fundo e abríssemos os olhos de dentro.
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*Samhaim – festa dos celtas que marcava o fim da épocas das colheitas e o princípio do inverno. Novo ano celta.

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