Um
dia cujo significado anda perdido para a maioria, pois também ele se perdeu das
suas origens e memórias, como quase tudo actualmente. Encorpado e assente no Samhaim* dos celtas,
utilizado estrategicamente pela igreja para tentar adquirir simbolismo
universal ligado à santidade, acabou por abrir os braços aos nossos mortos,
santos ou não, habitantes silenciosos
das memórias de cada um.
Foi
este também o dia em que a Terra escolheu tremer em 1755 aqui para as bandas da
Mátria e em que o fogo devastador e o mar, a galgar o nosso jardim à beira-mar
plantado, fizeram o resto.
Estou
aqui entre os meus mortos, os meus santos, e em honra deles escrevo linhas de
perplexidade ante esta finíssima linha a
separar a Terra e o Além, tão ténue e diáfana que a maioria a não vê.
Mesmo
que eu não queira, nos ares dança ao de leve um pendor saudoso. Vejo-lhes os
rostos e toca-me o cheiro da sua ausência, desse seu bem querer sobre o qual me
alicercei. Foram mártires todos eles, a seu modo, privados de um consciência
mais esclarecedora, presos a carmas que lhes aspergiram as vidas com muitas
outras faltas, tudo tão equivocado e preso ao sofrimento e à perda.
São
os meus santos, pois conheci-os de perto e experimentámos aquilo a que se pode
chamar amor.
Quisera
acender uma fogueira gigantesca capaz de iluminar as suas almas, em estádios
diferentes de aflição ou de serenidade e levar a cabo ritos sagrados, próprios
para homenagear os desaparecidos.
Sou
ainda habitante do dia que passa, o dia de todos os santos, incluindo os meus.
Destes braços cansados, cheios de nada, sai o trémulo apelo ao cair do véu que
nos separa.
Peço
“pão-por-deus” e recito versos de amor e de saudade, como as crianças que, em bando,
o costumavam fazer em certos lugarejos.
“Levo-te no
peito como rosa aberta/rosa de sangue e amor e vida/inextinguível
/quero crer ”
e,
noutro encalço,
“fixei-te hoje para o
sempre
com/lágrimas sangue novo dor esquecida/viverás no poema como um deus/
que emergiu de uma sombra preterida”
Lembro anjos que passaram pela minha vida, hoje recolhidos aos grandes
claustros do silêncio: a avó das violetas e a avó da palavra de oiro, a mágica
Bia da libertação expansiva e outras e outros.
Fora de mim, o mundo prossegue, enlouquecido. Pela indiferença e pela
crendice – sapos, bruxas más, espíritos errantes, halloweens importados. Tudo
adormece o poder que nos seria próprio,
se respirássemos fundo e abríssemos os olhos de dentro.
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*Samhaim – festa dos
celtas que marcava o fim da épocas das colheitas e o princípio do inverno. Novo
ano celta.
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