Faz-se
o que se pode. Faz-se o pouco que se sabe para ganhar a vida e justificar a
existência. Dão-nos um título, uma designação e encostamo-nos ao espaldar de um
estatuto, aproveitam-se ou não as oportunidades, nasce-se com uma estrela na
testa ou desafortunado ou nem uma coisa nem outra. E o epitáfio, a existir, diz
sempre eterna saudade, sentida homenagem. A seguir, os poucos
que nos lembram, vão-se também. Sem memória, não existimos. Fim.
À
medida que os anos passam, a reflexão acima toma mais e mais conta de nós e os
contos de outrora deixam de fazer sentido. O ser, em processo de envelhecimento
físico, precisa de novos mitos para se aguentar sem que o bafo da depressão o
contamine. Os mitos da continuidade para
além de, da permanência apesar de, da eternidade sob outra forma, vibração. Ou
simplesmente os do aqui e agora, do eterno presente como únicas verdades
absolutas e válidas.
Habituámo-nos
à vida neste patamar de manifestação, por muito difícil e desregulada que ela
se apresente, e ninguém regra geral quer partir. O que está mal há de melhorar,
o que foi bom há de voltar. Esperança, esperança, sempre esperança no dia
vindouro, na produção que ainda
acontecerá, na felicidade que escapou por um triz, não foi culpa de
ninguém, quando muito do próprio.
Encontramos
forma de prosseguir. Sem se perceber como, muito menos porquê, lá continuamos
inseridos no filme da nossa vida de umas dezenas de anos, quando muito, a vida
que havíamos sentido, inconscientemente durante tanto tempo, como inacabável.
Foi esta última a crença responsável por decisões desastrosas, pelo grande
pecado, talvez o único, de não nos termos aplicado a escutar com maior empenho
a voz daquilo a que chamamos alma, interioridade. Começaram aí todos os desvios
e embrenhámo-nos em papéis vários, redundantes da nossa cegueira,
insuficiência, engano dos sentidos, ilusão.
Há
saída para este estado de coisas? Penso que sim, sinto que sim. Mas não como a
nossa consciência limitada nos indica.
Vamos
ter de nos resignar à transitoriedade da existência, mas não sem antes
termos interiorizado a importância
relativa de cada um dos nossos sonhos e passos, paradoxalmente fundamentais na
contribuição que aportam à construção colectiva, à transformação do obsoleto e
do caduco. E, humildemente, tornarmo-nos conscientes do muito pouco que sabemos, da forma distorcida,
mil vezes reformulada como o vamos sabendo, dos mitos que inventamos para nos
aguentarmos, do tempo sem tempo em que fluímos, passantes incautos.
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