Quase
todos somos perseguidos pelo fantasma da vida que éramos para ter vivido e não
vivemos, correspondente nalguma medida às aspirações da alma e à materialização
das produções que os nossos talentos inatos e potencial poderiam ter gerado.
Em
vez dela, foi outra a vida que lográmos levar a cabo. Frequentemente insípida e
sem esperança, esta última pesa-nos, não raro nos envergonha secretamente. Há
entre as duas uma espécie de abismo intransponível cuja percepção é responsável
pela desistência, pela morte em vida. Quando nos damos conta do contraste
assombroso entre o factual e o ideal, sentimos quase invariavelmente ser
demasiado tarde. E conformamo-nos.
"SAN BENEDICTO, Montserrat Gudiol (1933) |
Para
além das contingências económicas e
sociais, creio que o entorpecimento espiritual e psicológico a que a nossa
cultura nos submete desde o nascimento, é o factor responsável por este estado
de coisas. Para tentar viver o sonhado, a aspiração íntima, é preciso coragem e
determinação para assumir aquilo que frequentemente vai contra a norma, o
inconveniente e o censurável e que radica na nossa criatividade pessoal. Trata-se
de tarefa gigantesca que requer um esforço continuado, um exigente trabalho
espiritual e psicológico, espécie de remar contra a maré normótica e
estupidificante que todos os dias nos assalta, desde os bancos da escola até ao
martelar constante de ideias pré-concebidas, princípios de vida uniformizados e
que ignoram o legado essencial de cada um. Nas nossas sociedades, tem lugar,
sem sombra de dúvida, um acção punitiva
sobre os que ousam ser diferentes,
escapar às garras do sistema; desde logo materialmente, mas também a
outros níveis, quando as opções de vida não coincidem com o estabelecido e o
aprovado. Tudo muito redutor dos luminosos e promissores impulsos que
adivinhamos no olhar das crianças e que, regra geral, vai esmorecendo até se
apagar em definitivo.
O trabalho
pessoal é condição "sine qua non" para diminuir o "gap"
entre o que somos e o ideal de nós mesmos. Será sempre, contudo, a vida
possível, cujos pontos luminosos, muitos ou poucos, nos cabe acolher com
alegria e gratidão A nossa deve ser uma barca audaz e corajosa, enraizada
contudo na realidade histórica em que vivemos mas sem perder de vista os
promissores horizontes que os desígnios da alma nos apontam.
As
mulheres pagam sempre o mais alto preço. Mas são as Mães do mundo e têm o seu
maravilhoso legado como género; será apoiadas nele e na redescoberta dos seus
verdadeiros prodígios que verdadeiramente se hão-de libertar e aportar uma
grande contribuição aos novos paradigmas em nascimento.
Fórmulas,
não as há. Neste mundo em mudança cada dia mais acelerada, um mundo pleno de
contrastes absurdos e paradoxos, cada um tem de encontrar a sua estratégia
pessoal se não quiser entrar para o célebre clube dos “cadáveres adiados”. Aos
seis como aos sessenta ou em qualquer outra idade, cada dia, cada nova oportunidade
têm de representar uma bela folha em branco onde nos cabe pincelar artisticamente
as cores do nosso canto íntimo. Ele “cai do céu aos trambolhões”, mas requer a
nossa competência pessoal para se fazer ouvir.
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