A
vida não é um passeio na avenida.
Mas
é que não é mesmo, embora haja muita gente que disso parece não ter qualquer
consciência.
Escrever
sobre o amor, tal como o conhecemos na Terra, não é tarefa fácil e, os mais corajosos
e lúcidos de entre nós, capazes de ir fundo na desconstrução, habilitam-se a
qualquer coisa aparentada de uma desértica insanidade.
Desde
que nascemos que somos formatados para o amor. A língua, espelho infalível das
nossas ideias e crenças, está recheada de termos que reflectem esse facto.
“Quando cresceres e te casares”, “quando encontrares a tua cara metade”, “a tua
alma gémea”, “o grande amor da tua vida”,
“quando
arrumares a tua vida”, “a ver se não ficas só”, “apressa-te ou ficas para tia“,
“boa escolha, ele é bom partido=ganha bem e a família tem posses”, “um homem só não se aguenta “, "a ver se
arranjas quem te aqueça a cama e te ajude nas despesas”, “o melhor é juntarem
os trapinhos”, etc. Para já não falar dos chamados livros sagrados, arautos de infalíveis
princípios doutrinários: “Não
é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idónea.” (Gênesis
1:18).
Deve haver um
sentido oculto neste impulso para a necessidade de acasalamento. O argumento da
procriação e da sexualidade não chegam, por temporários, e mesmo que se lhe
juntem os do interesse económico, das conveniências várias e do grande medo da
solidão, a explicação fica, ainda assim, curta. O amor, tal como o idealizamos
é, de facto, uma raridade.
Há algo que
se sabe a níveis profundos, algo que pulsa nos genes, nas células, nos átomos
do nosso inteligente corpo e nos
recomenda a busca do outro, do espelho. Lembrava-me alguém há dias a sabedoria
indiana, segundo a qual nascemos com dois olhos mas não nos podemos ver a nós
mesmos.
Precisamos,
por conseguinte, do outro para esse indispensável espelhamento, espécie de
identificador dos nossos passos, sem o qual não sabenos com algum rigor o que
manifestamos. O problema parece contudo
complicar-se com as folclóricas crenças que rodeiam os nossos relacionamentos,
crenças que radicam essencialmente na moldagem recebida desde que abrimos o
olho, os estímulos e restrições transmitidos, os mitos inculcados sobre a
identidade própria e os quase sempre inconscientes sistemas de defesa que
levantámos em nós ao longo da vida. O problema complica-se porque esse estado
algo patológico não é só nosso, é o do outro também e, assim, o resultado óbvio
do exercício é uma monumental ilusão que termina quase sempre em dor,
sentimento de perda, estilhaçar do nosso tenro interior, decréscimo da
auto-estima ou, alternativamente, na indiferença e afastamento progressivos.
Enquanto a
humanidade terrestre escolher estes ilusórios caminhos, enquanto ela não tiver
a coragem e a sabedoria de mergulhar fundo nos sombrios enredos que manipulam
as suas motivações e comportamento – e para tal muito trabalho pessoal de fundo
é necessário - não saltaremos
colectivamente fora desta roda alienatória nem ganharemos acesso a quem somos e
ao que vimos.
“Nosce te ipsum!”
Mas sem
batota…
Sem comentários:
Enviar um comentário