Ando a descansar, à força. Tento aproveitar o que me resta do
fim de semana para me entregar a mim
mesma e a uma palavra meia alheia àquilo que a vida me tem permitido: lazer.
A palavra legitima o merecido descanso que pode corresponder
a actividades prazenteiras para o ser, no meu caso ler, escrever, remexer os
livros, papéis, objectos de culto, estudar as mil e uma coisas que não sei. Ou
o jardim que amo e que visito e amparo com a regularidade possível. Como a
minha saúde começou a acusar a carga excessiva de trabalho e, sobretudo, o
efeito corrosivo de transtornos emocionais, faço um esforço no sentido deste
“ócio”, leia-se, apartamento da actividade directamente ligada ao dever e o
ganho material para a sobrevivência.
Dormito
a espaços regulares, frente ao écran, livro ou simplesmente recostada numa
tentativa de meditação – apago zonas de pensamentos sombrios, enraizo-me,
faço-me rodear apenas do alívio que as flores me trazem...
Quantas
noites escuras da alma ocorrem em cada vida? Já vou na terceira ou quarta,
sendo a actual a mais dura de todas. Uma amiga estudante de astrologia disse-me
há dias que este período da minha vida, fortemente regido por Saturno e que já
dura há anos, corresponde ao maior desafio por que passo nesta vida, mas que o
meu mapa indica que a crise terminará no final deste ano. E que a partir de
2020, tudo se iluminará no meu caminho para a transcendência, algo a que a
minha alma aspira com todas as forças. Que vou escrever muito mais, que posso
até ganhar dinheiro com isso (difícil de acreditar, num país como Portugal e
dado o estado colectivo das coisas e das pessoas...)
Enfim,
é preciso acreditar nalguma coisa. Só me tenho a mim própria (que vou
descobrindo o que sou), este ser mutante em busca da alma encantatória de dias
de paz e de coerência.
Por
ora, tenho o resto de um domingo vivido dentro de portas – está um braseiro lá
fora -, o meu doente adormecido até pelo menos final da tarde, o silêncio da
casa grande, que continua à venda, esvaziada da famíia que criei portanto vazia
de afectos, as saudades das minhas crianças que já me parecem pertencer a outra
encarnação.
Sinto
os olhos mortos ante tanta e bela arte que muito significou para mim no
passado. Tudo tão estranho, desconhecido...
Mais
tarde, vou ter de preparar o dia de trabalho de amanhã, que disso não me livro.
Cozinhar algo para o meu doente, auscultar o que diz o ar ao cair da noite
alentejana e inventar outra crença qualquer para me ir aguentando.
Ah,
carpe diem...descanso, lazer, reinvenção/redescoberta do propósito da vida.
Quem
sabe...
...se ninguém sabe nada?
Quadro: Tarsila do Amaral, "Figura Só"
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