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domingo, 17 de março de 2019

PONTE ENTRE MUNDOS


"O mito é o nada que é tudo."
FERNANDO  PESSOA




Não me chega o mundo exterior. Nunca chegou.

Cedo compreendi o absurdo da vida meramente consciente, tangível, regulada pela lógica e justiça do ser humano encarnado.
De facto, em particular no mundo actual, quase tudo vai deixando de fazer sentido, se não existir uma outra dimensão de vida: a interior.  Assim, vou tentando apropriar-me cada vez mais de uma interioridade misteriosa que me habita e busco colher aí os sinais e os símbolos com que tento entender  e melhorar a acção consciente.
Para isso, é necessário sair da moldura da formatação que me foi aplicada desde que abri o olho.
Depois dos inevitáveis passos erróneos, desgostos e um sentido geral de frustração perante a impossibilidade de transportar para a chamada realidade algo de poderoso que sinto habitar-me, compreendi que a minha vida tangível precisa urgentemente de uma ponte firme com o mundo de dentro, aquele por onde circulam os meus sonhos e as percepções improváveis.
E o que são os sonhos, senão o suco derivado de todas as coisas que me habitam desde tempos imemoriais (para além de e fora do próprio tempo) e me pedem   correspondência na manifestação?
Para auscultar o seu canto subliminal e integrar a força que me querem transmitir, tenho que me abrir ao simbólico e ao mito e atrever-me à desconstrução da lógica racional que impera no mundo tangível. Isto tem que ser feito passo a passo, à medida que a voz de dentro se torna mais audível e a persona está suficientemente estruturada para poder lidar, com discernimento e  suficiente lucidez com os mundos de fora e de dentro.
A vida interior desloca forças poderosas e permite a participação no nosso destino de variáveis que, se formos apenas racionais, permanecem bloqueadas.

Nem tudo é para entender pela mente racional, muito do que aflora à nossa psique destina-se a ser apenas sentido, de olhos físicos fechados e com os sentidos interiores despertos para o que é ainda desconhecido da consciência.  A atenção vigilante ao que nos chega, a tentativa humilde e sincera de estabelecer um novo glossário de significados a partir desse contacto  são a rota mais segura para o avanço pessoal.


Acredito cada vez mais que a vida está mapeada, que os sinais premonitórios e as advertências nos aparecem em cada esquina mas, infelizmente, a nossa consciência não está em geral preparada para os descodificar. Obviar a esta necessidade implica humildade, muito trabalho pessoal e, sobretudo, aprender a funcionar fora da caixa.

Quadro: FERNANSO MONTES

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