Escreve
a partir de uma fractura.
Um espaço abissal que se
abriu entre ela no presente e a vida do passado. Agora parece ser o tempo das
penalizações, cantos angulares a farpearem os dias, tempos pincelados de
faltas, vazios, ausências – um cansaço imenso, um sem propósito aparente.
Não
sabe o que lhe falta, quem lhe faz falta, quem a deixou. Reaprende aquilo de
que é feita, avança entre as urtigas, faz de si mesma – idealizada – se a
ocasião o pede. Mas não há canto. Nem janelas abertas para o sonho. É tudo
concreto, materializável, não existem mais caminhos sublimes nem idealizações.
Ama
aquele ser. Amar é uma coisa diferente do que as pessoas pensam. Amar é sentir
até ao âmago que se é parte duma mesma coisa. É pertença, respiração
justaposta, alegria irracional, localiza-se algures abaixo da derme do terno
coração pulsante.
Pois
ela ama assim aquele ser, mas também lho
levaram. Findou o tempo. São perigosas as alianças de alma tão fortes, pois
ainda que indestrutíveis, na distância parecem subsistir apenas vastos mares de
silêncio e de ausência.
As
pessoas calculam a vida sobre um joelho coxo. Afirmam a pés juntos que um e um
são dois. Destituídas e enfermas são contudo capazes das maiores crueldades. E,
hoje em dia, tanto alinham com o nazismo como com o altruísmo, tudo ao de leve,
de passagem, meteórico. Inconsequente.
Ela
amarga. Ela quase a virar as últimas esquinas. Ela incrustada numa pedra porosa
e cinza, vagas são as lembranças de outros dias, quando se sentia figura
central de um fogo de sarça.
Já
não sabe se valeu a pena, se alguma coisa valeu a pena. Os rostos e os gestos enganaram-na, iludida
pela própria ingenuidade. Precisa de partir como um sopro, sem ruído,
eliminar-se dos cenários criados, desconstruí-los por inadequados. É tempo de rumar
até aos horizontes da Simplicidade, assim que possível.
Quando
não pode mais, chama pela Mãe. Chora no seu colo invisível. Depois,
apaziguada, prossegue.
Mariana
Inverno, in “Livro dos Afectos”
Quadro: Isao Tomoda
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