REMEDIOS VARO, Born again |
Pensa
tantas coisas...
Tudo
nela fora quase sempre desproporcionado aos objectos da sua atenção ou do seu
querer. Habitavam-na veios de paixão pela vida
e pelos seres que tocaram a sua alma e foi a manifestação desses
sentires o que a perdeu de si mesma, o que continua a levar-lhe os que ama.
Pertence
talvez a um reino ígneo, eternamente nutrido por utopias e abraços apaixonados à beleza do sonho criativo, dos
afectos intermináveis e sem limites, ao mel que escorre, perfumado e doce, das
almas nobres. Um estado demasiado iluminado e ardente para que a traição e o
malquerer nele tenham lugar. Mas esse reino não é deste mundo, teve finalmente
de aceitar...
Talvez
já não lhe reste ninguém de verdade, a não ser uma amiga distante. Habituara-se
à ilusão dos afectos, mas a hora da verdade chega para todos os que não
escondem a cabeça na areia ante as sombras. Aprendeu a olhá-las de frente, por
entre caudais de lágrimas e uma dor tão grande pelas ilusões sofridas.
Começou
a emigrar de si mesma, tal como se conhecia.
Alguma coisa derrotou o que sempre lhe parecera invencível. Pelo menos
no aqui e no agora.
Chopin
e os seus nocturnos fazem-lhe agora companhia noite fora. Mais o altar que ergueu à
memória da sua amada Mãe, aonde luze um anjo esguio, creme e dourado, flores
frescas, a luz de uma vela e múltiplas imagens da forma desaparecida.
Ó Mãe da minha alma, o
meu coração está cheio de amor e, contudo, acho que nunca mais poderei amar
mais ninguém...penso que não haverá maior desistência da vida do que essa, mas
é assim que sinto no presente.
Armara
os cenários, organizara a festa, os presentes, fornecera as deixas, lançara os
foguetes, cuidara, tratara, dera tudo o que a animava, enfim entregara as rosas
do seu jardim secreto a quem as não sabia cuidar.
Insensata,
crédula, ingénua, culpada.
Emigrante.
Por força maior. Sem expectativas exteriores a si mesma.
Mariana
Inverno, “NOTAS À SOMBRA DOS TEMPOS”
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