Querida
Mãe,
Precisava
de me expressar e não me apetecia nenhum dos géneros habituais. Pensei, que
melhor forma que uma carta aberta à
minha flor-saudade, onde possa despejar os sentires vários e alguma informação
que decerto já conheces, tu que adejas por outras paragens, onde a consciência
da multidimensionalidade é de certeza mais apurada.
Só
te foste há quase cinco anos, mas como o mundo endoidou, desde então! Vivemos
actualmente o estertor da morte para a política, tal como a conhecemos no
passado, mas ainda não há nada de promissor à vista para a substituir. Está
tudo muito explosivo pela Terra, o terrorismo e
a dolorosa mancha de refugiados das guerras e do ódio vieram agravar o
estado das coisas, há muitas pontas soltas que se podem tornar incendiárias a
qualquer momento, estreitam-se as possibilidades para o ser comum. Os estados
assaltam cada vez mais a carteira das pessoas mas vão-lhes dando umas
distracções a ver se não protestam muito. Se ao menos cada um entendesse o poder
do colectivo unido, a solução está debaixo dos olhos, mas s verdadeira união
ainda é uma miragem. Para isso é indispensável uma consciência expandida e...
dá muito trabalho investir nela.
O nosso António Guterres foi eleito secretário-geral das Nações Unidas e coloca-se, como prioridade máxima, a aparentemente impossível tarefa de alcançar a paz, o Mário Soares em coma profundo quase a deixar-nos. Em Istambul, a noite de Ano Novo, tingiu-se do sangue de civis que se divertiam numa discoteca. O resto do mundo em alerta máximo.
Os EUA elegeram um entertainer, que funciona apenas pelo chakra de raiz, para reger os destinos do mundo, o Putin aguça os dentes, reposicionam-se as forças mundiais face ao que se vai mudando tão depressa e de modo tão inesperado.
Está
tudo tão incerto e confuso, que poucos se atrevem a fazer previsões. Não sei
quanto tempo me resta no planeta – fiz 66 anos há dois dias, como sabes,
Mamãzinha – mas tudo o que anseio é poder contribuir, na medida das minhas possibilidades,
para a tessitura de um novo paradigma central ou de outros muitos novos
paradigmas secundários que possam, ao agregar-se, constituir uma nova ordem de
valores, mais justa e respeitadora da
soberania de cada um.
Suspeito
que, antes de conhecermos o Novo Dia, vai ficar tudo pior...
Lembro
como gostavas desta quadra. Como do teu coração forte mas triste subia um
impulso novo de entusiasmos ante o Natal e as suas magias.
Levavas
muito a sério as prendas, as que davas e as que recebias, eu adorava mimar-te e
surpreender-te. Amavas o calor da minha casa, a árvore gigante cheia de
enfeites de todas as eras, a mesa bem decorada e abundante, as velas, as
flores, a música e os afectos.
Está
tudo...quase na mesma, o Bill muito frágil. Mas há mais
gente, incluindo os teus cinco bisnetos. Estou cansada, agora que a idade
avança, já não tenho a tua ajuda, e o trabalho aumentou. Receio não ser
possível continuar as festividades da mesma forma nos anos próximos. Está a
deixar de fazer sentido tanto esforço que me rouba a energia e o tempo que
necessito para coisas mais importantes. Hei-de encontrar uma fórmula mais
adequada para os tempos que correm.
No
dia dos meus anos, ofereceram-me uma biografia da Aurélia de Sousa, a pintora
portuense que morreu no ano anterior ao teu nascimento. Apreciei muito esta
prenda, pelo seu simbolismo na minha vida.
Creio ser o Universo a utilizar os seus agentes para me lembrar uma vez
mais que não há criatividade que se possa expressar adequadamente, sem o
espaço, o tempo e os meios necessários. Virginia Wolf lembrou-o, com
genialidade, em “A Room of One’s Own”.
Estou a tentar, Anita. Trabalho diariamente na minha consciência, vigilante ante as oportunidades e as armadilhas. Sinto-me aberta à mudança e quero fluir com a corrente, atenta às necessidades da minha alma. Quero ser mais de mim e hei-de consegui-lo, no tempo que me resta, embora não seja fácil a coordenação de todos os factores.
Grata pelas memórias que de ti em mim transporto, grata pela vida que me deste, pelo legado do teu exemplo, vou permanecendo por estas margens a tentar fazer o meu melhor e a nutrir aquela graça a que chamamos Esperança.
Tua filha
Estou a tentar, Anita. Trabalho diariamente na minha consciência, vigilante ante as oportunidades e as armadilhas. Sinto-me aberta à mudança e quero fluir com a corrente, atenta às necessidades da minha alma. Quero ser mais de mim e hei-de consegui-lo, no tempo que me resta, embora não seja fácil a coordenação de todos os factores.
Grata pelas memórias que de ti em mim transporto, grata pela vida que me deste, pelo legado do teu exemplo, vou permanecendo por estas margens a tentar fazer o meu melhor e a nutrir aquela graça a que chamamos Esperança.
Tua filha
Mariana
Teresa
Gostei muito Mãezinha... e decerto que a Vóvó também. Eu sinto o mesmo, muita incerteza este ano, e os desejos de Ano Novo têm menos esperança e confiança no futuro. Só ouço dizer que 2017 não seja pior do que 2016... Isso sim assusta-me. Será que já não acreditamos num "ananhã" melhor e mais feliz? Eu acho que temos de o fazer, mais não seja que o encontremos dentro de nós. Verdadeiramente, é só aí que o vamos encontrar. Parabéns Mãe, e Feliz Ano Novo!
ResponderEliminarObrigada, querida, por teres lido a carta aberta e pelo teu oportuno comentário.
EliminarO nutrir da Esperança tem que ser feito sem os suportes habituais, receio. Os seus pilares começam a estar cada vez mais na intangibilidade, na força anímica, na capacidade criativa (tipo omelete sem ovos), na crença, na força e na sabedoria pessoal.
Receio que tenhamos de nos reinventar e, sobretudo, reinventar a forma como vivemos e como contribuímos para a construção do mundo com que sonhamos.
Beijos, querida, Feliz Ano Novo!
M