"E NINGUÉM É EU. E NINGUÉM É VOCÊ. É ESTA A SOLIDÃO."
Clarice Lispector
Nada como os grandes golpes na vida
para nos lançar numa assombrosa convulsão interna. Ou bem que somos engolidos
pelo vórtice da crise, esmagados pela sua proporção dantesca, ou nos agarramos
com a força que nos reste à jangada do questionamento.
Enfrentar com aceitação a natureza
solitária deste último processo é indispensável para o equilíbrio pessoal e a
esperança de vencer a crise. Pois por mais que o outro nos ame e vice-versa,
não há possibilidade de fusão das respectivas interioridades subjectivas –
esses vastos mundos inóspitos onde habita uma verdade maior – pois o que ocorre
é que, mesmo no mais inflamado dos relacionamentos, tem lugar apenas uma
negociação inconclusiva entre solidões,
como escreveu Steiner.
Compreender este facto, sem
alimentar ressentimentos para com os nossos afectos, é a pedra basilar da
sobrevivência anímica. Só podemos realisticamente contar com a maravilhosa
capacidade da vida de nos incentivar com o inesperado ou dulcificar por
momentos o aperto interno com o abraço de outrem, que desejaríamos eterno mas é
passageiro e efémero. O abraço que se nos apresenta resgatador do tormento
pessoal, mas simboliza apenas a passagem de um pirilampo pela noite escura da
alma.
Tudo isto nos devolve à nossa
condição de seres encarnados, toldados por um olvido ancestral, de passagem por
uma existência temporária e não raro hostil e desafiante, à superfície da
Terra. Triste. Triste, mas real.
É esta a consciência que impede a
alienação, que não nos deixa alimentar as ficções várias a que os contextos do
mundo sombrio em que vivemos nos intenta sujeitar no dia a dia e nas nossas
histórias pessoais. É um ponto de partida que nos devolve, estranhamente, à
natureza e à simplicidade. Aos pequenos e aos grandes gestos do quotidiano, à
simbólica de tudo quanto existe e percepcionamos.
À superficialidade dos discursos
mercantilistas do chamado Novo Tempo, tem de substituir-se o empenho e esforço
pessoal na sobrevivência do que realmente somos e que amplamente desconhecemos,
quais peões assustados na infância da consciência.
Salvé a trémula esperança que,
pelos melancólicos caminhos da introspecção, vai ganhando corpo...
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