“O que finalmente eu mais sei sobre a
moral e as obrigações do homem
devo-o ao futebol...”
Albert Camus
“Não se pode esperar muito de pessoas
que vivem de futebol,
carnaval e televisão.
Que se dirá de um país.”
Renilmar Fernandes
“O futebol é o ópio do povo e o
narcotráfico da mídia.”
Millôr Fernandes
Agora que Portugal conseguiu a
façanha de chegar à final do Euro 2016, vou tentar a difícil tarefa de escrever
um pouco sobre futebol e o fenómeno sociocultural que ele representa.
Como muito outra boa gente, não
deixo de ficar perplexa pela capacidade movimentadora e de polarização deste
desporto. Apesar de não sentir qualquer atracção pelo futebol e as suas regras
e logística me parecerem de uma simplicidade patética, é dificil não
constatar a importância e a função política
e social que definitivamente adquiriu nas sociedades actuais. A minha abordagem
será necessariamente exploratória, pois torna-se complexo, em especial para
alguém como eu que desta prática nada entende, penetrar o âmago do fenómeno
para além das suas aparências.
O futebol, desporto de todas as
multidões, mimetiza o passo do mundo em que vivemos. Baseado na competição,
como todos os jogos, o seu crescimento ocorreu exponencialmente durante o
século XX, muito sob a acção da FIFA que o elevou à categoria de
mercadoria extraordinariamente bem
sucedida na economia global. Hoje, servido por um marketing muito profissional
e eficaz, movimenta milhões em todo o mundo e despoleta como nenhuma outra
coisa um espírito de pertença ao colectivo, quer a nível patriótico, quer ao
nível da gigantesca comunidade de adeptos do desporto em questão, bem
implementado em todo o mundo.
A paixão que acompanha todo este
processo é o que constitui para mim o grande mistério. Muitos factores
contribuem seguramente para que o futebol tenha ascendido, para os adeptos, a
uma categoria divina. Vivemos num mundo sem ideais, desencantados ante a falta
de causas, em que o dinheiro ocupa o lugar outrora atribuído aos deuses. O ser
humano é programado desde que chega a esta dimensão existencial para se
comportar de forma a não obstaculizar o caminho e as opções dos seus
controladores. Isto cria um vazio criador dentro de cada um, um deserto árido
que urge povoar de alguma maneira. Por outro lado, será o futebol das poucas
áreas em que o sonho do menino pobre com talento para a prática o pode levar à
fama e à fortuna material num abrir e fechar de olhos e por via de uma curta
carreira. Note-se que praticamente todos os grandes futebolistas são de origem
humilde e com pouca ou nenhuma educação formal, mas cuja ascensão social e
popularidade ficam em definitivo asseguradas pela capacidade de pontapear a
bola de modo certeiro. Convém em absoluto aos medíocres e gananciosos
governantes deste mundo e à sua matriz de controle, manter e mesmo exacerbar
este estado de coisas, a qual transfere a atenção das pessoas dos verdadeiros e
angustiantes problemas que nos assolam, adquirindo estes momentaneamente o
estatuto de “fait divers” ante a atmosfera empolgante dos grandes espectáculos
futebolísticos. Fica a dever-se ao efeito multiplicador dos media o crescimento
exponencial de todos estes valores.
A FIFA, órgão máximo deste
desporto, está minada por escândalos de fraude, extorsão e lavagem levados a
cabo pela mafia que a dirige. Recentemente, em 2015, ocorreram várias prisões de
altos executivos no Hotel Baur au Lac, em Zurique antes do início do 65º Congresso da FIFA, onde ocorreu a eleição para presidente da mesma.
Outras prisões simultâneas tiveram lugar em Miami e, mais tarde, na Austrália, Colômbia, Costa Rica, Alemanha e Suiça. Emerge igualmente, à semelhança do que se
passa um pouco por toda a parte, uma violência crescente e assassina no
futebol. O que deveria ser um espaço e tempo apenas lúdicos, evolui cada vez
mais para cenários sangrentos, muitas vezes até à morte. Nada mais triste do
que a imagem de um adepto de cachecol ao pescoço, gritando histericamente
“vitória”, cara pintada com as cores do clube que apoia, muitas vezes
acompanhado da descendência na mesma figura, literalmente entregue, rendido,
alienado, disposto a tudo, de coração grato pelo que lhe é dado
sentir…
Vivemos num mundo decadente e o
futebol, ao qual subjazem forças obscuras e gananciosas de manipulação e de
controle, retrata-o na perfeição. Diria que neste inferno velado, os jogadores
serão a parte mais inocente da organização.
Só a subida da consciência, a
educação e o autoconhecimento, a recuperação de valores que nos ligam à
transcendência e nos conduzem a estados
de alma libertadores de alienações e da ilusão organizada, poderá ter o efeito
transformador desejável nesta situação.
O que exalta, para mim, deste espectacular movimento é a energia que está por detrás e o poder pessoal de cada indivíduo assim como todas as outras vitórias que Portugal está a atingir. Ora bem, a minha reflexão é mais sobre isso. As conquistas e o movimento que o futebol envolve pode ser usado em prol da economia e sucesso de todos os portugueses > é este o meu foco: será que não conseguem vislumbrar este fenómeno? Que o podem usar em seu beneficio desde os governantes até ao mais singelo popular? Somos TODOS UM, o que quer isto dizer? que somos indivíduos e somos ao mesmo tempo o TODO. Temos nas nossas mãos a mudança do que tanto desejamos. Cada vez mais vejo a mudança a acontecer, apesar de ser, ainda, uma minoria. No entanto, ela acontece por ser o desenvolvimento natural no Cosmos: evolução/crescimento.A emoção que sentiria - felicidade, alegria - pelos portugueses vislumbrarem que podem ter o mesmo sucesso para eles próprios e não só para os outros. Sawabona, Mariana!
ResponderEliminarGrata pelo seu comentário, minha amiga. Compreendo o seu ponto de vista, talvez mais terra a terra que o meu.
ResponderEliminarEm mim subsiste sempre esta pena de ter de me render ao primitivismo em que a humanidade terrestre ainda se apresenta, com muitos aspectos involutivos actualmente.
Sm, a mudança está a acontecer, mas de que forma?
Repare como os impulsos cósmicos lançados para a Terra têm sido historicamente distorcidos pelos humanos e o chamado "avanço" tem-se feito aos trambolhões, com erros de palmatória e muito, muito sofrimento!
Não é o futebol e a sua dinâmica que estão em causa para mim, é o significado transcendente que os movimentos dentro da prática deste desporto têm vindo a assumir para as populações em geral, tendo adquirido algo de sagrado para estas últimas.
O que me entristece é que seja uma vitória futebolística o catalisador do espírito colectivo, por momentos em uníssono. O paradigma central está moribundo, minado de corrupções e desvios, todas as grandes causas traídas, a Inteligência Artificial a caminho do seu reinado sobre nós, a que sucessos, pequenos ou grandes, podemos aspirar dentro de uma estrutura obsoleta e apodrecida?
Lamento, amiga Ana Guerra, mas esta é a minha percepção...
Um abraço amigo