Às vezes penso que não sairá nem mais
um verso da minha alma, penso isso em dias difíceis como hoje, dias de muito
trabalho obrigatório, os raros dias em que um enorme peso de uma solidão
gritante me acabrunha – alma, corpo, gestos, tudo – e me faço ao largo do que sinto
que sou, tudo para baixo cá dentro, desencantado.
Não gosto de me sentir assim,
apresenta-te minha alma, espanta o silêncio
baço que me asfixia a voz, aligeira-me o gesto, pois não me sinto eu, nem nada
à minha volta é o de sempre.
Quando a sombra baixa e a alegria
cede lugar à inquietude e aos medos, ganham corpo perguntas inesperadas, cenários
dantescos projectam-se, sombrios, sobre o ritmo das horas e deixamos de ser
quem somos, como se tudo estivesse perdido.
A espuma dos dias, onda suja das
coisas guardadas, mal entendidas, lambe-nos os contornos, impregna tudo de
dureza e mal-estar.
Duvida-se então que alguma vez mais
se possa fazer ouvir o poema, que o canto da alma volte a ecoar de novo, ainda
que longínquo, a percepção e a beleza do sublime.
Por isso te invoco, alma minha,
resgata-me deste vale sombrio que me tolhe o passo, ampara-me na reabertura do
caminho para o meu canto próprio, registo perfumado que o espírito deixa, à
passagem.
CHRISTIAN SCHLOE |
Eis então que irrompe no meio da
noite a melodia saída de outra alma, portadora dos contrastes e dos ritmos que,
assimilados, trazem a paz. Trazem o verso, o verbo, a companhia e a partilha que
pareciam perdidos.
São assim o tempo e os ciclos da
vida, sucedem-se deste modo a sombra e a luz.
Cada qual deve sustentar-se na
coluna dos seus milagres.
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