No
5oº andar de um arranha-céus em Miami, neste abrasador dia de
Novembro (mais de 30ºC), assisto a palestras e debates sobre a revolução
tecnológica que está a decorrer no mundo. A audiência, informal e com muita
gente nova, segue atenta e entusiasta o que os oradores dizem. Tudo moderado
por um grande meio internacional.
Hyperloop |
Carros
autónomos, hyperloop[i],
inteligência artificial e a realidade virtual de forma generalizada, robótica
fornecedora de companheiros virtuais e a internet em acelerada expansão, são tudo
assuntos comuns e tratados com naturalidade aqui. A maior parte desta gente
parece-me bem intencionada e a trabalhar arduamente na evolução da tecnologia
que, acreditam, há-de melhorar significativamente a qualidade de vida da
humanidade terrestre à superfície do planeta.
Os
mais novos constituem a maioria mas a febre de avançar, fluir, acompanhar e ser
parte da inovação tecnológica parece ser um denominador comum.
Sentada
neste 50ºandar, faço várias coisas ao mesmo tempo: corrijo pela internet a
última versão da minha antologia de poesia a sair em breve, envio um SMS
reconfortante ao meu marido doente no outro lado do Atlântico e sigo o que se
passa nesta sala onde se discutem as virtudes da transformação digital. Subjacente a tudo isto, palpita porém em mim
a grande questão: para onde nos dirigimos, sobretudo de que forma e com que
cuidados nos dirigimos para este futuro tecnológico que nos bate à porta todos
os dias? Em que espécie de seres humanos nos estamos a transformar e quão
conscientes estamos desse facto? De que forma exercemos livremente a nossa
vontade no processo?
Neste
ambiente, oiço falar com ligeireza de biliões e triliões de dólares, ganhos num
ápice, através da criação de “maquinetas” ou componentes inteligentes. Qualquer
startup faz um milhão ou dois de
dólares, enquanto o diabo esfrega um olho. E quem o diz é muitas vezes gente
jovem, informal, com ar descontraído, desportivo, por vezes boçal. A capacidade
de articulação do pensamento noutra coisa que não estes assuntos deve ser muito
reduzida pois o que dizem soa-me idiomaticamente pobre e a coisa muitas vezes
repetida. Os mais velhos que estão tomados da mesma febre aparecem-me
incongruentes, com algo de forjado no discurso optimista.
Preocupa-me
este estado de coisas. Há muito descuido, partes essenciais no ser humano que
estão a ser esquecidas ou relegadas para último plano. Se é verdade que as
novas gerações perderam rigidez – e esse é um ganho incontestável – foram
também perdidos outros empenhos, essenciais para a construção de um ser humano
enriquecido e em verdadeira evolução. A busca da excelência em todas as coisas
parece não ter mais significado.
Sucesso
está associado ou ao futebol ou aos feitos da tecnologia. O dinheiro escoa
livremente por estes trilhos, mas não serve exactamente muito do que deveria
ser o nosso propósito maior. Esquecidos são os artistas, os poetas, os
escritores e os trabalhadores das grandes causas da humanidade. Marvin Minsky[ii]
escreveu algo como, Se em dúvida,
perguntai aos poetas. Pelo caminho que as coisas levam, não me parece que
isso seja passível de acontecer num futuro próximo.
Muitas
questões, poucas respostas. O que sei, para além de qualquer dúvida, é que cada
um deve fazer o que consegue, o que está ao seu alcance, pela justa melhoria da
vida na Terra. A mim, além da luta pela sobrevivência (ainda não encontrei
nenhum filão de ouro, tecnológico ou outro), cabe-me amar os meus e escrever
sobre aquilo em que acredito: incitar o ser humano a despertar, a tornar-se
consciente da sua soberania pessoal, a questionar o que lhe (im)põem como
factos ou verdades acabadas.
A
tecnologia, cujo avanço admiro e sigo com enorme curiosidade, é um mero
instrumento que em muito pode servir o nosso bem estar e facilitar o nosso
progresso, desde que permaneça no lugar que lhe compete: o de servir com eficiência
uma humanidade cada vez mais livre e consciente.
[i] O hyperloop é um sistema de transporte de alta velocidade
conceptual (autoria de Elon Musk) que
incorpora tubos de pressão reduzida nos quais cápsulas viajam numa almofada de
ar, impulsionada por motores de indução linear e compressores de ar. Estão a ser
actualmente desenvolvidos projectos para
pistas de testes e cápsulas, com a construção de um protótipo em escala total, prevista para 2016.
Análises preliminares indicaram que, utilizando tal
meio de transporte, a velocidade de deslocação seria de entre 962 e 1220km/hora e que
uma viagem entre São Francisco e Los Angeles duraria apenas 35 minutos.
[ii] Marvin
Minsky é um cientista americano, especializado em estudos da inteligência
artificial, cofundador do Labortatório de Inteligência Artificial do MIT.
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