Depois de
alguma reflexão, muito poucos duvidariam que vivemos numa sociedade em que
vigora a desresponsabilização (disclaimer society). Há uma conotação implícita na
expressão, que aponta para a negação de algo, em particular da
responsabilidade.
Uma visão
rápida da actividade quotidiana da sociedade revela como se expandiu a negação
(da responsabilidade) em todos os tipos de contratos (software, e-mails
corporativos, seguros de saúde e vida, intervenção médica, alojamento em
hotéis, contratos de representação, documentos legais de todos os tipos e
muitos outros). A síndrome da desresponsabilização tornou-se viral e espalha-se
agora por todas as áreas da sociedade, projectando a responsabilidade final da
uma dada actuação para uma entidade imaginária que reside algures entre os
limites da nossa zona de conforto e o limiar da imaginação de alguém
desconhecido. Às vezes, é encontrado um bode expiatório (usualmente inocente),
mas em geral as consequências da falta de responsabilidade pelos membros e
instituições de uma sociedade recaem sobre o reclamador original, sem recurso.
Vale a pena pensar nas razões por detrás desta reviravolta na mentalidade
global e prática. Nas últimas décadas, e à medida que a tecnologia se tem implementado
cada vez mais, percebe-se como desapareceram os valores éticos mais básicos
para dar origem a uma sociedade exclusivamente mercantilista, na qual os
sentimentos e devoção ao outro, sem motivos ulteriores, e a introspecção e
veneração pela natureza sagrada da vida, têm pouco espaço, se algum lhe resta.
Este fenómeno liga-se com o abafar da consciência, colocada de propósito, por
uma ordem cada vez mais materialista, em estado dormente. No contexto do actual
paradigma central, supremamente regulado por valores mercantis, não é muito fácil
ou conveniente permitir que a consciência se expanda e possa, eventualmente,
levar as pessoas a comportar-se de modo a colocar em risco o seu potencial para
serem controladas, gerarem dinheiro e, se tiverem sucesso, a evadirem-se à norma. Consciência é
consciência, não só de factos tangíveis, mas acima de tudo, percepção da
natureza fictícia da maioria das percepções e actos humanos. Fictícios porque
não estão enraizados numa imprescindível autoconsciência, não correspondem a
escolhas conscientes e responsáveis, e os sujeitos apenas flutuam, na
superfície da vida, convencidos de que estão ao leme do seu destino.
O
desenvolvimento da ciência e da tecnologia inundou o nosso mundo com novos
conceitos e ideias. Fazem-nos saber que quanto mais e melhor o ser humano
criar, mais longe irá na vida (compensação material). No entanto, a noção de
desenvolvimento espiritual sustentável como essencial para qualquer progresso
real foi removida do nosso léxico e confinada à terminologia dos defensores da
Nova Era que, sou forçada a admitir, têm em geral pouca noção daquilo que
apregoam. O resultado final é uma sociedade disfuncional, onde reina o lado
sombrio das escolhas humanas, de forma absolutista.
O
conjunto de valores que governam a nossa cultura tem de estar ligado ao sentido
de responsabilidade. Sem ele, somos apenas indivíduos robotizados, liderados e
controlados por predadores de um tipo ou de outro, e não teremos voz no nosso
próprio destino. Para alcançar um estado aceitável de fluir com a vida em que
uma autoconsciência profunda seja possível, é indispensável estar disponível
para a atenção guiada e para o processo cognitivo. Vigilância quanto ao que
realmente está ocorrendo dentro e à nossa volta, nutrição do processo criativo
genuíno e o ser responsável pelo nosso comportamento devem, a todo o custo, ser
integrados e fomentados pela educação desde a mais tenra idade.
Esta integração representa um
forte pilar a partir do qual podemos fortalecer a nossa capacidade de responder
adequadamente aos desafios da vida, independentemente da sua dimensão.
Nota: Adaptação do texto original inglês do meu site www.lettersfromthegarden.com
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