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terça-feira, 5 de abril de 2016

CARTA ABERTA AOS SERES ENLUTADOS

E agora, como vai ser?
Pergunta recorrente quando, nesta plataforma da existência, o outro parte abruptamente pois, com ou sem doenças na estória, ninguém está preparado para esse fim sem retorno.
Não dá para acreditar, nem para integrar na consciência de um momento para o outro. Entra-se num estado alterado, uma espécie de anestesia criada pela própria dor.
E agora, como vai ser?
Que significado, sentido, propósito pode ter a vida nesta densidade em que nos movemos, se a voz, o gesto e a energia de um ser muito chegado deixam de nos acompanhar? Não mais os abraços, a voz reconfortante, não mais a segurança de não nos sabermos totalmente sós pois o afecto do outro iluminava a nossa difícil rota e, não raramente, conferia-lhe propósito na complexa manifestação.
E a pergunta surge, insistente, por entre lágrimas e um assustador vazio. E agora?

Agora há que viver o luto, uma espécie de exorcismo da perda dolorosa. Mesmo aqueles que creem na imortalidade da alma, são surpreendidos pela intensidade da dor vivenciada.
Cada um tem o seu modo de passar pelas coisas e não há formulas fixas  para as experiências que cada um tem de viver. A nossa cultura vive na negação da morte e ensina-nos a fugir dela, a não a mencionar e, quando finalmente confrontados com a mesma de forma incontornável, a despachar o assunto (leia-se vigília, funeral, etc) o mais rapidamente possível e a “virar a página”. Equívocos da formatação. a meu ver.
Ninguém pode realmente “virar essa página”, se a não viver com verdade e entrega total ao que lhe está a acontecer. O que não sai de nós, em nós enquista. Corrói-nos, seca-nos por dentro.

Ao ser enlutado, eu diria o seguinte.
Chore, grite, procure expressar a sua mágoa. Fale de quem partiu, em voz alta, do ser que amou, dessa alma que se foi mas que permanecerá para sempre no seu coração. Tudo quanto habita a nossa consciência vive.
Não se feche, não se isole, esqueça tudo o que aprendeu ou que esperam de si. Gratidão, sim, pelo que teve e que a sua alma guardará para sempre. Mas sobretudo, agora, vivência dessa dor que o despedaça por dentro e lhe rouba sentido à vida. Não sufoque nada, fale com essa alma amada. Sinta o perfume das suas roupas, acaricie os objectos que lhe pertenciam, recupere as memórias, "pinte" as paredes com o seu nome, erga imagens gigantes do ser querido nos Horizontes e nos ecrãs da sua vida.
Deixe tudo sair: lágrimas, risos, raiva, protesto, revolta, amor, saudade. Tem direito a tudo, ante a mágoa do irreparável.
Se viver a sua dor com Verdade, de forma politicamente incorrecta, passará à fase da aceitação. E aí dar-se-á inicio ao reconstruir. Diferente, claro, sem o privilégio do outro ser incarnado a seu lado na vida, mas com a integração total do rastro dessa alma na sua.
Isso dar-lhe-á forças para prosseguir no tempo que lhe falta cumprir aqui na Terra, onde a sua manifestação ainda não terminou.
E agora um lugar comum: conte com o tempo, não para esquecer mas para suavizar os efeitos da dura prova. Manifeste o seu luto, não deixe o mental bloqueá-lo.
A hora é invariavelmente negra e dura e áspera e urge assumi-la.
Do outro lado do acanhado portal que ora lhe é proposto transpor, aguarda-o a Paz profunda, aguarda-o a si mesmo um ser mais forte e mais bem equipado para cumprir os desígnios da sua manifestação.

Entre as coisas perversas que a dita civilização ocidental nos trouxe, figura a fuga à experiência da dor que a morte de um ser amado nos causa. Não raro evadimo-nos para a depressão ou mascaramos com o silêncio a revolta e o sentido de perda que nos assolam. Deixámos de fazer rituais ou reduzimo-los ao mínimo indispensável. O ser humano é, contudo, ritualista, as cerimónias com alma produzem um efeito mântrico no ser, suavizam o efeito devastador que os grandes problemas e a perda de um ser querido exerce em nós. E viver de forma adequada um luto torna-se cerimonial. Faz ressurgir a sinceridade da criança, recupera qualquer coisa de intrinsecamente verdadeiro em nós.
Só nesse processo, podem a Vida e a Morte dar-se as mãos, reencontrar-se no seu significado transcendente que continua a escapar-nos.

4 comentários:

  1. Fez-me todo o sentido esta nota Mariana Inverno,levei uns bons anos a fazê -lo à minha maneira,não politicamente correcta antes pelo contrário,mas sentindo depois uma outra forma de vivenciar o luto ,que me truxe paz.Abraço forte ♡

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  2. Fez-me todo o sentido esta nota Mariana Inverno,levei uns bons anos a fazê -lo à minha maneira,não politicamente correcta antes pelo contrário,mas sentindo depois uma outra forma de vivenciar o luto ,que me truxe paz.Abraço forte ♡

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  3. Obrigado pelo seu comentário, Antonieta Filipe.
    Creio ser necessário falar, escrever sobre este assunto tabu. Fechámos-nos à necessidade do coração se expressar livremente, especialmente na hora negra da partida deste mundo daqueles que amamos.
    Alegro-me que, no seu caso, tenha alcançado a paz.
    Um grande abraço. Mariana

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  4. Tenho de procurarar esse librium que julgo see bastante elucidativo em estados bastante delorosos NA vida das pessoas

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