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domingo, 31 de maio de 2015

IN TRANSIT


Não me contem histórias de encantar, agora que ajoelhada ante o momento inglório, revolvo a terra com mãos trémulas  em busca de um húmus milagroso que fertilize  e assegure o meu passo na dureza dos dias.
Não me falem de luzes, céus azuis, amores diáfanos e da Deusa. Eu cavalgo  no sopro infernal do esquecimento e da cercania da Companheira certa e um plasma de dor calada fixa-me no cenário insuportável da destruição progressiva.
Poucas coisas fazem sentido na lentidão dos dias acelerados, o cerco aperta-se, mas todas as noites tento encontrar, no respirar solitário da insónia, uma força nova para prosseguir.

Como foi que a vida decorreu, entre montes e vales, tudo num torvelinho e, de repente, deixou de acontecer?
Um ocaso feito de  repeticões entediantes mas seguras aspergem os teus dias com o anúncio adiado desse final, que desejo e temo, que antevejo e repudio mas que o senso comum aponta como libertador.

Será?

Aqui na cidade grande, a tua cidade, só saio por dever. Recolho-me e encolho-me,  porque as esquinas estão ainda povoadas dos teus olhos ávidos de vida e aventura, e as pedras e as árvores guardam a memória dos nosso passos, dos nossos voos excêntricos pela vida fora, sustentados por uma cumplicidade temerária, sobrevivente a mil quedas. Não me atrevo ainda a desfrutar de novo dos tesouros que esta cidade  me oferece, dói-me que já os não possas gozar, um luto antecipado e premonitório de um fim certo, adiado por mil cuidados que já não sei se desejáveis ou excessivos.

Na hora de me ir deste plano, vou querer que me deixem só na neblina da minha transição, sem permanências forçadas. Mas isso sou eu, totalmente responsável pela minha vida e espero que ainda lúcida nessa hora. Contigo é diferente, já se apagaram  quase permanentemente as luzes admiráveis da tua inteligência, os impulsos dementes que te acossam são rugas dolorosas cruelmente infligidas à minha alma.
Ainda assim, busco a força para iluminar  a vida em teu redor, com quê não sei bem, mas vou experimentando.
Sou a guardiã das memórias.
Sossega. Eu estou aqui!
Hei-de enfrentar os pássaros negros que me sobrevoam e  aprender pela exaustão a olhar de frente a realidade do que resta da tua vida. De rojos, extraio das horas um ténue e transcendente fio de esperança, um fio tecido pela lealdade que devemos sempre aos nossos companheiros de rota.

In transit, um pouco mais…

Londres, 31 de Maio de 2015

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